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Em Família: como o casal Clara e Marina são um avanço na teledramaturgia brasileira

17.7.14Unknown


Se em séries e filmes estrangeiros podemos encontrar até cenas de sexo entre casais homossexuais, aqui no Brasil a situação é bem mais lenta. Sim, o preconceito ainda existe e os personagens não heterossexuais ainda não são bem aceitos pelo grande público, porém, devagar, estamos caminhando - e todo passo dado é uma conquista. 

Amanhã, 18 de julho, a atual novela das nove da Globo, “Em Família”, chega ao fim. Escrita por Manoel Carlos, famoso pelas suas histórias ambientadas no Leblon, a novela recebeu várias críticas ao longo de sua exibição e foi até encurtada. No entanto, uma coisa deu certo ali: o casal formado por Clara e Marina, ou simplesmente Clarina, foi mais um avanço na representatividade LGBT+ na ficção do nosso país.



A história de Clarina

No início da novela, a Clara (Giovanna Antonelli) era esposa do Cadu (Reinaldo Gianecchini). Eles se amam muito e têm até um filho, mas passam por dificuldades financeiras, já que o Cadu é um sonhado e quer abrir um restaurante. A vida da personagem começa a mudar quando ela e a família visitam uma exposição de fotografia de nus femininos da Marina (Tainá Muller), onde as duas se conhecem. A Clara logo fica encantada com as fotos e a Marina fica encantada com a própria Clara.

Num primeiro momento, a Clara é a menina bonita que a Marina quer conquistar, e ela exerce um fascínio muito grande na Clara - a Marina é bonita, trabalha com mulheres bonitas, rica, artista, lésbica, não curte monogamia. Ela é muito diferente de tudo o que a Clara sempre conheceu - muito “exótica” -, por isso, qualquer coisa que a Marina faça é demais. Olha a festa de aniversário que ela deu para a Clara, por exemplo. As duas acabam se tornando amigas, muito amigas mesmo. E elas se apaixonam, a gente vê isso acontecendo. A gente vê elas se apaixonando e a gente vê o Cadu sentindo ciúmes

A Clara gosta do Cadu. A Clara gosta da Marina. Nessa cena com a Chica ela deixa isso bem claro: ela não está dividida entre os dois, ela ama os dois e é isso aí. A Marina entende e aceita isso numa boa, mas o Cadu não.

As duas ficaram um bom tempo naquele “vai-não-vai” de novela. As coisas eram complicadas, já que o Cadu estava muito doente e a Marina com uns problemas financeiros, tudo se desenvolveu de forma lenta. Muitas cenas românticas depois, incluindo um ensaio fotográfico juntas, Marina pediu Clara em casamento e rolou o primeiro beijo. Na reta final, elas se casaram em uma cerimônia muito bonita e foi divulgado que teria até noite de núpcias.


O que tem de especial nessa novela?

Antes de mais nada, devo dizer que não acompanho a novela (muitos episódios, pouco tempo para ver tudo) e a maior parte das informações do resumo acima foi fornecida pela minha amiga Priscilla. Mesmo sem assistir, é impossível não ficar sabendo o que anda acontecendo, sempre tem algo na mídia e a internet adora comentar. “Em Família” ficou marcada pela falta de ritmo, mas o casal formado pelas atrizes Giovanna Antonelli e Tainá Muller deveria ser o grande destaque.

Mesmo “Amor à Vida”, a novela anterior, que fez história ao exibir o primeiro beijo entre homens, não me deixou tão feliz quanto a Clara e a Marina na trama de Manoel Carlos. A delicadeza com que a história foi contada é admirável e as personagens são ótimas representações, além de acertar ao exibir também a reação da família. 

A paixão por uma mulher surgiu na vida de Clara quando ela já era casada com um homem e tinha um filho, então surpreendeu todos ao seu redor. Houve uma resistência diante da nova situação, mas o pensamento vai mudando. A novela nos presenteou com várias cenas muito boas que deixaram bem claro como a ficção é um ótimo meio de informar e educar pessoas. Entre elas estão: a Clara contando para o filho que vai se casar com a Marina, a conversa entre a Clara e a mãe, a Marina sendo apresentada a um casal na escola do filho de Clara e tanto a Clara quanto o Cadu felizes em seus novos relacionamentos.


Um problema da novela é que a palavra “lésbica” não foi usada nenhuma vez, nem mesmo pelas personagens lésbicas. Sério. Sempre falam homossexual e não não veem problema nenhum em falar “sapata”. Apesar disso, a Clara é bissexual e usa a palavra “bissexual”, o que é extremamente importante.

Até agora*, Clara e Marina se beijaram duas vezes em momentos comuns e tiveram uma linda cerimônia de casamento, com mais um beijo. Tudo foi muito bonito e é um avanço, mas ainda não é como um casal hétero. Logo depois que elas se beijam pela primeira vez, por exemplo, vimos o Cadu beijando de forma muito mais explícita duas outras mulheres. Não queremos mais pelo prazer de assistir, desejamos que o tratamento não seja diferente só porque um casal é formado por pessoas do mesmo gênero.
*o post foi escrito na quarta-feira, 16/07

A demora até o primeiro beijo, aliás, fez sentido na história das duas. A Clara, por mais próxima que estivesse da Marina, não queria trair o Cadu nem terminar com ele enquanto sua saúde ainda é frágil. Nesse período, vale dizer, não deixou de rolar várias cenas muito românticas. As pessoas que assistem a novela de verdade (as partes que eu e a Priscilla assistimos são apenas as Clarina) dizem que a Clara e a Marina são um dos casais que demonstra mais carinho nas cenas, e é verdade.


A recepção do público

O que eu, Paulo, percebi até agora foram dois extremos: gente legal achando ótimo e apoiando na internet e gente, a maioria da “vida real”, achando que é a pior coisa. 

Se você entrar na tag “Clarina” do Tumblr, vai encontrar um fandom enorme e vários gifs, que são legendados em inglês até. E as pessoas engajadas na causa LGBT que eu conheço estão todas muito contentes com o casal e a novela. A já mencionada Priscilla, por exemplo, postou um texto em seu Tumblr que descreve bem o sentimento, assim como esse outro texto, escrito por uma pessoa que não é brasileira. 

Por outro lado, não foram poucos os comentários de como era errado, que isso era apologia, que “a globo está tentando impôr como normal as coisas que eles gostam”, que já passou dos limites, que não deveriam expôr às crianças a isso (tanto as que assistem como o menino que interpreta o filho da Clara). A Dana até comentou comigo o que ouviu sobre as cenas Clarina dessa semana, elas estavam “muito pesadas”. Perguntei quais cenas eram, e a resposta dela fez todo sentindo: “acho que a parte pesada é mostrar amor na TV”.


Enfim, não é difícil encontrar afirmações que refletem como a nossa cultura ainda é muito preconceituosa e não é com um único beijo que podemos dizer que o tabu acabou e está tudo bem.

A mentalidade de uma população muda aos poucos, e a ficção é muito importante. A Igra falou no texto sobre o cinema brasileiro que os nossos filmes são muito mais avançados que as nossas novelas, e eu concordo. Essa liberdade tem que vir para a televisão também, porque é o meio mais fácil de atingir o grande público. Olhando para a nossa história, é possível perceber que as novelas e os avanços sociais caminham juntos; a lei do divórcio é um dos exemplos . É por isso os personagens não heterossexuais bem construídos são tão importantes, a visibilidade e a representação são fundamentais para uma sociedade inclusiva.

(com ajuda da priscilla :D)


Leia mais sobre a representatividade na cultura pop

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1 comentários

  1. Eu não acompanhei essa novela, nem de longe, nem Clarina, apesar de saber da existência. Nem sabia do casamento. Li coisas como "Globo ataca novamente as famílias brasileiras". As pessoas ainda têm essa mentalidade de "proteger" a família brasileira. Isso é tão olhar somente para o próprio umbigo! Tenho um sobrinho de 4 anos, e ouvi ele falando com a mãe:

    - Mãe, aquela mulher gosta daquela outra?
    - Mas isso é feio.
    - Mas elas gostam, né?
    - Sim, mas isso não é de Deus. Não pode.

    Um tanto triste. Acho que sempre vão considerar como um ataque. Mas acho que o papel da internet (que parece um outro mundo) vai ser fundamental para a mudança desse tipo de pensamento. A galera que está no Twitter, no Tumblr, nos famdoms vai crescer, vai ter filhos, vai assumir cargos na sociedade, vai ser natural essa mudança. Assim espero.

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