Sejam bem vindos ao Estante Nacional!
Essa é a nova coluna do ConversaCult, onde vamos voltar os olhos para os frutos de nossa terra e apreciar todo o sabor da literatura brasileira contemporânea. Aqui no blog nós já perguntamos quantos livros nacionais temos na estante, explicamos por que é importante lê-los e demos diversas indicações. Temos nos esforçado pela literatura brasileira há anos, mas, agora, estamos dando o próximo passo. O Estante Nacional é mais do que fazer tudo isso. É dar o espaço de destaque merecido para a literatura do nosso país.
Esse será o ponto de parada para todos que estão procurando conhecer mais livros nacionais e não sabem por onde começar. Para quem está quebrando os preconceitos contra o trabalho dos brasileiros. Aos que querem descobrir o que existe além dos livros do vestibular que somos forçados a ler na escola. Aqui você sempre terá recomendações interessantes e honestas para se encontrar dentro do mercado nacional.
Então vamos começar com um dos melhores dramas que eu já li, e que é tão gostoso de ler que eu garanto que você vai se apaixonar.
Há muitos motivos para eu ter escolhido Daytripper como o primeiro a ser discutido nessa coluna: ele não é um livro no sentido ortodoxo da palavra e serve para desconstruir de nós o preconceito de que toda a literatura brasileira é velha e chata; ele dialoga com um livro brasileiro clássico, embora você não precise saber disso para apreciar a obra; ele é um exemplo meio triste de grande talento nacional tendo de ir ao exterior para ter seu trabalho validado. Daytripper era uma publicação mensal escrita e desenhada pelos gêmeos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Bá, que saiu pelo selo Vertigo nos Estados Unidos. O material que conhecemos hoje por esse nome é um compilado de todas as edições. É uma história aclamada pela crítica, ganhadora de prêmios e que merece ser ouvida.
tive a oportunidade de conhecê-los na CCXP ano passado. <3 |
Daytripper é difícil de explicar. Seu enredo gira em torno da vida de Brás de Oliva Domingos – mais que isso, gira em torno de todas as suas pequenas mortes. Trata-se de um homem simples com um pai grandioso no mesmo ramo que deseja seguir. Uma pessoa que se pressiona muito por sucesso e por uma família, e cuja pressão que exerce o paralisa. Alguém que, como nós todos, tem uma vaga noção da direção que quer seguir, mas não tem muita certeza de como tomá-la ou do que vai encontrar pelo caminho. Um ser humano como outro qualquer. Poderia ser eu ou você. Mas, obviamente, a história é muito mais que seu enredo e minhas palavras serão pouco se comparadas à experiência de leitura.
Cada capítulo do livro descreve um momento da vida de Brás, com intervalos de anos entre eles. E nesse conceito mora o charme da história. O trabalho dos gêmeos é impecável em tantos sentidos que eu tenho vontade de simplesmente dizer “LEIA”. Só assim para entender plenamente a beleza de sua arte. Eles conseguiram retratar a vida com uma perícia inigualável. Você sente que aquilo é real. A maneira como os personagens envelhecem e mudam, como eles parecem atraentes dependendo do ângulo, como o mundo ao redor de Brás parece estar vivo e em movimento mesmo quando ele não está atento a ele. Até mesmo o timing das cenas parece imitar a vida real. Os momentos de silêncio dizem tanto, ou até mais que as palavras.
No decorrer das páginas, vemos Brás enredado em dramas do cotidiano e as soluções que escolhe para lidar com eles, mas o fazemos tendo uma visão cada vez mais ampla do panorama de sua vida. Sabemos que há dramas por vir e que outros já passaram. É simplesmente fascinante ter esse poder de enxergar a vida como um todo e perceber como as pessoas ficam obcecadas com as questões imediatas e não se permitem enxergar a própria experiência como parte de uma jornada mais longa. É quase cômico ver como grandes problemas da vida de Brás simplesmente desaparecem através dos anos, depois que são resolvidos – como aquelas coisas que o atormentavam simplesmente não definiram em nada quem ele se tornaria. É bastante acolhedor ver esse rapaz passar mais da metade da sua existência sem saber o que fazer da vida e ver que isso não o impediu de vivê-la.
O nome do protagonista talvez te faça lembrar um outro personagem icônico da literatura, e isso não é por acaso, visto que a história é quase uma carta de Bá e Moon em resposta à Memórias Póstumas de Brás Cuba, de Machado de Assis. Só que onde o original entrega um fatalismo amargo em relação a morte, os gêmeos escolheram um caminho mais leve e orgânico – mas não menos impactante. De fato, esse não é o único paralelo com a literatura brasileira. Não é difícil encontrar tons de Jorge Amado, Guimarães Rosa ou Fernando Pessoa também nas páginas, e isso torna o trabalho ainda mais belo. Ele é brasileiro de corpo, na ambientação da história, e também de alma, na própria essência e inspiração.
Eu não teria como dar menos do que todo o meu amor para Daytripper. Qualquer pessoa que procura ampliar seus horizontes na literatura nacional vai encontrar aqui um inestimável ponto de partida para histórias novas e incríveis para as quais talvez não tivesse olhos antes.
(5/5 caipirinhas)
Editora: Panini
Paginas: 260
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2 comentários
CE TIROU FOTO COM ELES EU NÃO ACREDITO QUE INVEJA DIEGO
ResponderExcluirFaltaram vírgulas, desculpa. Mas: ótimo post, indicação sensacional. Já tentei fazer um post sobre Daytripper, mas me faltaram palavras, como você bem descreveu: "O trabalho dos gêmeos é impecável em tantos sentidos que eu tenho vontade de simplesmente dizer “LEIA”." HAHAHAHAHA
Inclusive me foi indicada assim, eu que demorei pra aceitar a indicação porque né, era só a mesma palavra repetida insistentemente. Depois que li me arrependi, comprei, reli, reli em inglês e indiquei pra meio mundo.
Não quero me estender nos comentários porque não quero dar spoiler pra ninguém, mas enfim, uma das coisas que eu acho mais interessantes é como cada capítulo chega aonde chega. Porque com boa parte da história todo mundo se relaciona (estilo: "Não importa de onde você seja - ou como você se sente... existe sempre paz numa xícara de café."), mas a Daytripper mostra... sei lá, como a vida é imprevisível. Os gêmeos retratam tudo isso como ninguém, passam beeeeem a mensagem. Sempre me pego pensando em um trecho e querendo reler outra vez.
Sério, melhor indicação <3
A capa desse livro é LINDA.
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