black lives matter CCAnálise

O que Dear White People me ensinou com seus personagens?

17.6.17Jota Albuquerque


Para chegar num veredicto final que me fizesse sentar em frente do computador e começasse a digitar e pensar em como formular o texto, eu pensei muito sobre a série e conversei com a Carol e a Dana - para um mês e meio depois eu conseguir escrever -, numa conversa sobre a visão de alguém privilegiado falando sobre uma série que explora os direitos retirados de pessoas de diferentes etnias e o cuidado para tentar não falar pela vivência de alguém de uma minoria étnica.

Dear White People (é inspirada n'um filme do mesmo nome, se passando na Universidade de Winchester, onde todo o racismo escondido por debaixo do tapete explode após uma festa de tema black face acontecer) lançou tem quase dois meses e ainda sim, foi muito pouco compartilhada e falada nas redes sociais, ao menos muito pouco se comparado com 13 Reasons Why, e também tem outro fator: essa série ataca de frente o racismo vivido diariamente por pessoas negras, essa história expõe de diversas maneiras que o racismo ainda existe e como nós, brancos, ainda mantemos nossos privilégios.

"Digo, como você se sentiria se eu te chamasse de 'cracudo' e 'palmito'?"

"Exato, essa é a diferença. O fato de você não se importar e eu sim."
Partindo deste ponto do texto, spoilers existirão, portanto, estão avisados.

Eu vi que iria lançar e fiquei esperando ansiosamente após o teaser ser lançado, porque gente, não tinha como não se interessar pela série.

E desde que lançou o teaser, na verdade até antes, quando foi anunciada, a série e a produção veio sofrendo ataques, tanto querendo derrubar a série, cancelando as suas assinaturas da Netflix, como também fazendo birrinha através da internet - e isso só piorou quando algumas pessoas que assistiram, viram a crítica da melhor personagem que você respeita (aka Joelle) em relação à Game of Thrones.

Essa cena.

Agora, falando dos personagens...

Em vários momentos na série é dito, principalmente com enfoque na Coco, como que a beleza durante muito tempo vem sendo branca, magra, cabelos lisos... Na verdade, portanto que você seja magrx e brancx, o cabelo que usa não importa. Os dreads, que vivo vendo gente falando que é horrível, quando vê algum em gente branca fica: "Nossa, que lindo!", e o pior é que nem está sendo falso.

E é aí que entra a Coco e o porquê que gostei tanto dela, é que você vê que desde que a série inicia, você vê ela como uma das personagens que mais evoluíram, e que principalmente, uma das quais teve vários assuntos abordados (mesmo que às vezes não fosse exemplificado cada um dos assuntos, o que acho impossível, porque foi um trabalho muito bem feito para uma série de dez capítulos com trinta minutos cada um), com a Coco, trataram de: empoderamento de cultura e valorização própria, solidão e hipersexualização das mulheres negras, isso se não formos falarmos da exclusão e self-hate (que já entram em valorização própria).

E por mais que ela tenha aquela fachada de popular poderosa que é a "vilã" das tramas que envolvem só eles, o 'complexo de aparência de Sharpay'* vai revelando quem ela é e tudo que passou e que ela não está contra ninguém, muito pelo contrário, ela tem consciência do que está acontecendo e como isso a afeta, como a afetou e continua afetando.

Eu sei que existe o complexo de Sharpay, porém esse nome que tirei da minha mente, complexo de aparência de Sharpay, é essa aparência de que é forte e que nada a derruba, além de que a necessidade da popularidade, que mais tarde vamos entendendo qual a importância para ela.

E conforme a trama se desenrola após a festa black face, e a diretoria da escola não tem nenhuma medida necessária, vamos conhecendo mais do Troy que mantém uma relação com a Coco, e nisso, a gente vai vendo a relação afetiva, porém em busca de poder, de ambos. Troy, por ser filho do diretor da escola, sempre teve que ser aquele filho que vai ser advogado ou médico e o pai faz de tudo para ele não enfrentar o que o mesmo enfrentou quando menor, justamente por isso, desde cedo, Troy têm de largar seu caminho, largar as Artes, para seguir o que o pai quer.

É impossível eu citar todos os personagens principais - até mesmo os que não são principais - e te dizer que não gostei de um. É IMPOSSÍVEL! ELES SÃO MUITO MARAVILHOSOS! ~e eu me identifico, em certas questões com alguns. ---} falando nisso, essa é outra parte que eu amei da produção dessa história, você vê personagens reais, você vê o quão palpável é aquilo tudo, e o quanto você tem de semelhanças com todos ali.

Meu ponto é: o Troy representa a maioria dos casos que encontramos por aí, da minoria de negros que consegue estar numa patente maior da elite, e como consequência, tem de largar seus sonhos e vontades, por inúmeros fatores.



E MEU DEUS O LIONEL AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA <3

Admito, é meu segundo personagem preferido, porque assim, meu Deus como eu me identifico com ele e nossa... Pera, deixa eu começar direito, porque sem eu perceber estou falando dos personagens mais marcantes da série para mim.

Lionel Higgins, tímido, jornalista e a procura de um rótulo. O modo como ele foi introduzido na cena da conversa de todo o pessoal sobre a festa, não parecia que ele se tornaria uma pessoa tão mais aberta e importante para a trama, afinal, ele era muito tímido, e sumia no meio das pessoas. PORÉM, com o tempo, vemos um amadurecimento e vontade crescente nele, vontade de fazer a diferença, por si e pelos outros, e claro, ainda sim ele tinha de enfrentar a própria timidez e medo do que os outros pensam. E foi preciso uma conversa séria com o chefe para perceber que ele precisava se encontrar, precisava se assumir para si mesmo o que era e que era para ele encontrar um rótulo, pois de inicial, isso o ajudaria. O chefe dele foi de extrema importância para o desenvolvimento e evolução dele, sem contar em como os dois são meu OTP, literalmente desde a primeira cena dos dois.

E o mais legal é como eles abordam a questão de 'sou negro e sou gay', ainda de um modo leve, porém com toda a seriedade do assunto ali.



Agora, quero falar da melhor personagem que você respeita, aka Joelle... ~eu não sei agir normalmente~ AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA <3

Eu amei ela desde que começou tudo, ELA É MUITO MARAVILHOSA SOCORRO!

Agora agindo como uma pessoa não histérica... Joelle é muito divertida, gentil, inteligente, amorosa, the melhor amiga que você teria e simplesmente a melhor pessoa desse mundo. Não estou brincando, é impossível não se apegar à ela desde o começo.

 Ela, com aquele bom-humor que deixa qualquer um alegre, soube muito bem trazer leveza para algumas cenas sérias de crítica à algumas coisas. Ela é uma personagem que sinto eu que irão trazer mais da história dela para as telas, afinal, ela foi uma das personagens com o desenrolar menos desenvolvido, e não estou falando isso por ela ser minha favorita, estou tentando ser o mais imparcial possível nisso. A única coisa que sabemos dela é que ela gosta do Reggie e é a melhor amiga da Sam... Fora isso, o que mais sabemos? Ah! Sim, sabemos que ela não abaixa a cabeça nunca.

A cena dela com outros entrando na festa e confrontando o racismo foi muito maravilhosa!

Eu amo esse GIF e vou protegê-lo.

Falando em Reggie, se não me engano lá pelo quinto episódio tem uma cena que foi... no mínimo chocante, no máximo, mind blowing. Na cena de uma festa que eles vão simplesmente por não ter nada para fazer, acontece uma discussão pelo uso de uma palavra que não foi dada a liberdade à um colega de Reggie, se está se perguntando qual a palavra, seria nigga,

Acontece que é o seguinte: nigga, queer, qualquer outra palavra que já foi usada como um xingamento ou é usada ainda como um xingamento você não pode usar, pelo menos sem ser na presença de um amigo - ou se encaixar na determinada minoria - que não veja problema de você usar com elx, veja bem, não vê problema em usar com elx, portanto outra pessoa pode não gostar. É tudo uma questão de respeito e quando você entende que você não pode usar, sendo branco, normalmente de classe média, (para o caso de queer, hétero) você com o tempo deixa de se policiar, afinal, se torna algo rotineiro e básico, comum e é uma ideia de respeito que você veio trabalhando junto de uma desconstrução de algo que ainda não estava completamente desconstruído.

O ponto é: justamente por essa palavra, tem uma enorme briga que quase parte para a briga física bem feia, caso alguém não segurasse - no caso, os amigos de ambos os lados. Só que alguém, no caso o namorado da Sam, chama a polícia, pois achou que as coisas iam sair do controle. A polícia chega e alegando que Reggie não estudasse ali, pede o cartão de aluno, inicialmente ele se recusa, afinal, o garoto branco não foi questionado, mas daí o policial aponta uma arma para ele e isso inicia uma rebelião no campus, pois isso mostra claramente que eles ainda estão sendo tratados como inferiores, com "direitos menores" que os dos outros alunos.

E eu me surpreendi com o desenrolar da história do Reggie, porque logo no começo eu não o amava, eu achava ele negativo demais - e mais tarde entenderia o porquê.



E agora chegamos na personagem principal, Sam, que iniciou a rebelião antes mesmo da festa do black face ocorrer. Ela é meio que, digamos assim, a peça-chave para destravar a história dos outros, através dela, temos a maioria das histórias, através dela, vemos a voz de todos que estão sendo injustiçados dentro e fora dos perímetros escolares por racismo.

No passado, ela se pôs contra o que - mesmo por baixo do tapete - era contra ela. Ela decidiu lutar contra o que o sistema eterniza, mesmo que seja através de pequenos gestos. Ela decidiu dar a cara a tapa para mostrar que, sim, todas as vidas importam, mas não é branco que morre por ser branco, branco não é injustiçado pela maior parte da história para chegar nos tempos atuais e ser acusado de tudo quanto é coisa. E se você acha que isso é mentira, pesquisem o caso da garota que foi acusada de roubo n'uma loja e quando foi na delegacia, ainda saiu como culpada, por uma jaqueta que era DELA! Você acha que o sistema é justo? Ainda falta muito para isso acontecer.

Além do mais, ela parece a Hermione *-*
No fim, acabei usando cada personagem para poder falar mais de diferentes casos de racismo e o impacto disso na vida deles. Não é porque alguns poucos que conseguiram estar na elite, que não sofrem de racismo; ou que você frequentar uma Universidade prestigiada te livra de racismo; até mesmo você ser informado e totalmente pacífico não te impede de sofrer racismo e colocar tua vida em risco.

Dear White People é importante para mim porque me ensinou muito, e ainda me ensina, ainda estou aprendendo mais e mais. E justamente por essas razões é uma série tão importante para a sociedade.

Antes de ir embora quero apontar duas coisas:

1ª - Você, por ser brasileiro, pode sofrer racismo lá fora por ser latino-americano, mas não por ser branco;

2ª - Racismo reverso não existe, e não acredito que depois de tudo isso você ainda possa crer nisso.

Enfim, é isso, pessoas, espero que vocês tenham entendido e aprendido mais, assim como eu certamente aprendi. Dear White People é com certeza, uma das melhores séries - com os melhores personagens - de 2017 e com uma crítica muita bem explícita e trabalhada.


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