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Racismo Reverso?!

13.6.17Colaboradores CC


Há alguns dias, uma discussão surgiu em um grupo de amigos no WhatsApp, sobre o famigerado “racismo reverso”, ou seja, o racismo com pessoas brancas. Uma história tão fantasiosa quanto os contos mirabolantes da “heterofobia”... Enfim, um dos meus amigos afirmou que brancos podem sim sofrerem racismo, em raras ocasiões. O argumento se fundamentava na ideia de que em um bairro (ou colégio) de maioria negra, é possível que haja violência por parte dos negros para com um aluno branco e que isso caracterizaria racismo. O que, como (espero) que a maioria que lê os textos do CC sabe bem, está longe de ser verdade.




Eu e outro amigo fomos tentando explicar como é que funciona o racismo e, após o que, acredito eu, que tenham sido umas duas horas de debate (e até umas “quase brigas”, causadas pela falta de compreensão dos dois lados) nós dois conseguimos fazer com que esse amigo nosso compreendesse o que estávamos tentando dizer. E, no fim, conseguimos fazer com que ele entendesse o porquê de não ser possível que brancos sejam vítimas de racismo, pelo menos não em uma sociedade como a nossa. Em meio à conversa, eu escrevi um texto, que acho que foi o que ajudou esse amigo a entender o que estava sendo dito.


Antes de tudo, eu gostaria de deixar claro que eu sou uma pessoa branca. Sou privilegiada e não, eu não estou tentando roubar o lugar de fala de ninguém. Não falo pelos negros, pois não tenho a vivência deles. Falo apenas como uma garota branca de quinze anos que cresceu em um lar conservador, já foi racista, que pesquisa sobre o assunto e tenta se desconstruir em relação a isso. Portanto, embora eu ao escrever sobre tenha chegado algumas fontes, me baseado nas palavras de pessoas que realmente são oprimidas racialmente, é possível (e até provável) que eu tenha me equivocado e esquecido de falar sobre questões importantes.

“Um garoto branco passa a estudar em uma escola de negros.  Ele,  enquanto garoto branco,  é visto – por ser parte do grupo opressor, dos privilegiados – como uma ameaça, como um babaca.  Como o "riquinho". Ele passa a ser tratado diferente porque esses negros e negras que estudam nessa escola são pessoas que sofrem todos os dias com o racismo.  Se ele não fizer nada,  se ele não fizer nenhum comentário, ou disser nada idiota... É pouco provável que batam nele.  Alguns idiotas podem fazer bullying, talvez por ele ser mais "franzino", mais magrinho,  ou por ser mais afeminado,  mas não por ser branco.  Podem chamá-lo de branquelo,  de leite azedo,  implicarem com ele,  pelo fato de o verem como ameaça, como uma pessoa ruim,  como alguém não pertencente ao grupo... Esse garoto,  caso faça algo que seja mal interpretado como racista,  pode sim acabar gerando uma briga.  E por que os negros (e nos EUA,  também os latinos)  foram colocados nesse cenário? Nessa situação?  Por causa de uma estrutura racista.  



Esse garoto branco,  quando volta pra casa todos os dias,  ele ainda aceite o seu cabelo liso,  a sua pele branca... No caminho,  ele não é parado por policiais por ser julgado por sua etnia.  Se trocarmos agora o gênero (porque homens héteros em geral são em maioria menos pressionados em relação à aparência que mulheres, apesar de ainda serem) e imaginarmos a mesma situação, com uma garota branca. Essa garota branca, ela gosta da sua pele clara. Ela gosta dos seus traços mais europeus. Porque é fácil gostar. Talvez ela se sinta mal pelo seu peso, se for gorda, ou por sua sexualidade, se não for heterossexual... Mas ela não vive em um ambiente em que até mesmo os próprios parentes acham feio. Muitas mulheres negras demoram anos para aceitarem o cabelo crespo, para conseguirem se sentir bonitas com ele. Para pararem de alisar. Para aceitarem suas origens e tacarem o foda-se para a sociedade (e aí que entra também o debate da apropriação cultural e tal, porque certos costumes, tipos de cabelo, acessórios, etc. tem todo  um significado dentro da cultura negra). 

Nunca disseram à mãe dessa garota que ela deveria fazer algo a respeito do cabelo dela. No caso de um garoto, só garotos brancos de cabelo crespo tem o cabelo raspado na infância. Mas a maior parte das pessoas de cabelo crespo é negra.  E em negros isso é ainda mais julgado.  

Os brancos são maioria nas universidades, nos concursos públicos, no mercado de trabalho... Você está no topo hierárquico da sociedade e é isso que é o racismo. Uma herança socio-politíco-histórico-cultural que só existe porque a sociedade foi moldada ao redor dessa ideologia. A grande maioria das pessoas negras vivem em condições ruins... Não são todos, mas é a maioria. Assim como existem brancos pobres, sim, mas a maioria é, no mínimo, classe média. E os ricos, a grande maioria é branca. 



Não adianta negar o passado e dizer que “ah, mas isso não tem nada a ver, isso foi antigamente”, pois a história da humanidade tem influência na construção da sociedade. Existe influência da escravidão e, também, de """"estudos científicos"""" feitos no passado que tentavam instituir que negros tinham um cérebro menor que o dos brancos, que eram menos evoluídos, que eram mais propensos ao crime... 

Quando eu digo que racismo contra brancos não existe, é porque de fato não existe. Não existe um sistema que privilegia os negros em detrimento dos brancos.

Brancos não são seguidos em lojas pelos seguranças, por serem brancos... Qual é a cor da maioria dos atores, atrizes e apresentadores de TV que são verdadeiramente famosos e que recebem a maior parte dos papéis e os maiores salários? Dos diretores de novelas? Quem são, em maioria, os donos dos meios de produção? Há uma hegemonia branca criada pelo racismo que confere privilégios à nós, em detrimento de outras etnias. E por não existir racismo contra brancos, não significa que não exista contra outras etnias. Latinos, asiáticos, indianos, árabes... Todos sofrem racismo. Exemplo: um japonês não sofre racismo no Japão, mas e um imigrante coreano? Chinês? Inclusive, quando alguém acha que "chinês, japonês, coreano... É tudo a mesma coisa" é racismo. Na europa, os imigrantes sofrem com xenofobia e racismo com os imigrantes... A diferença é que, em um contexto geral, no mundo em que a gente vive, não tem como dizer que brancos sofrem racismo.


A diferença é tão grande que, inclusive, o feminismo e o ativismo lgbt, por exemplo, lidam com diferentes tipos de opressões se tratando de mulheres negras e brancas. Existe o feminismo interseccional que busca conciliar a luta de todas as minorias (amo ❤), justamente por isso.
Agora, você como brasileiro no Brasil é de boas. Agora saiu do Brasil, é latino também e nos Estados Unidos talvez você sofreria racismo. Não como branco, mas como latino-americano.”.

No fim, o meu amigo entendeu e até mudou a visão errada que ele tinha (e eu não o culpo por ter, já que ninguém nasce preconceituoso, mas também não nasce desconstruidão). Porém, algumas pessoas, talvez por não quererem rever e abrir mão dos privilégios que tem, se recusam a entender.  Há até quem diga que o Brasil não é um país racista... Em relação a isso, fica o meu questionamento: seriam pessoas mau-caráter, ou só inocentes demais?

E ainda tem gente que insiste em dizer que não tem privilégios por ser branco...
Citar dados já nem é mais necessário para provar que nós brasileiros somos uma população racista, além de outras coisas. Vivemos em uma estrutura racista, algo institucional que é muito difícil de reverter. Eu, como branca, nunca serei seguida ou parada na rua aleatoriamente por policiais, porque “pareço suspeita”, sendo o embasamento disso a cor da minha pele. Não serei agredida física ou verbalmente por isso. O máximo que pode acontecer é me zoarem por ser “muito pálida”, o que não é grande coisa, já que aos olhos da sociedade ser branca não é visto como algo feio. Ou sujo... Já ouvi do meu pai uma vez, em um dia que estava muito suada (não me lembro o motivo), que estava com “cheiro de preta”. Isso é completamente repulsivo, mas ainda é algo que as pessoas dizem. Na visão da elite, dos que estão no “topo”, os negros são inferiores, são criminosos, são burros, são sujos, são mal-intencionados... Policiais agridem, condenam pessoas negras à toa, com falsas acusações e a maior parte dessas pessoas nunca terão a justiça que merecem. Se não acreditam, pesquisem sobre o caso do Rafael Braga e verão o quão nojenta e absurda é a realidade do Brasil. E lembrem-se: RACISMO. REVERSO. NÃO. EXISTE.


Sobre a autora: Isabela Duarte, a maior Gleek e Faberry shipper que você respeita. Estou no nono ano do fundamental e faço quinze anos agora em Maio. Meu grande e verdadeiro amor é a escrita e, depois dela, vêm meus passatempos favoritos, que são assistir séries e ouvir música. Militante de causas sociais e a problematizadora do rolê. Gorda e felizmente bi. Tenho os melhores amigos do mundo inteiro e se discordar é porque não os conhece.

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