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Estamos perdendo todas as nossas Mulheres Fortes para a Síndrome Trinity

14.7.14Dana Martins


Hoje trazemos a primeira parte de uma trilogia de textos sobre a expressão "Mulheres Fortes" e a representatividade das mulheres em filmes, livros, HQs, videogames (...). O texto de hoje foi escrito em inglês pela Tasha Robinson e traz questões cruciais que eu achei importante ter em português. Se a análise dela é 100% correta? Isso você vai ter que concluir sozinho. Leia abaixo! 

Aqui você vai ver sobre vários filmes e Mulheres Fortes, mas a base da trilogia de posts é "Como Treinar Seu Dragão 2" e a nossa última Mulher Forte: Valka. 


Como Treinar Seu Dragão 2, da DreamWorks, expande consideravelmente o mundo introduzido no primeiro filme, e essa expansão inclui uma nova presença significante: Valka, a mãe há muito perdida do protagonista cavaleiro de dragão Soluço, dublada pela Cate Blanchett. O filme devota boa parte de seu doce e sensível segundo ato a introduzi-la, construindo-a como uma personagem complicada e cheia de nuances. Ela é misteriosa e formidável, capaz de tirar dos ares Soluço e seu dragão Banguela com uma facilidade casual. Ela é entendida: Duas décadas estudando dragões significa que ela conhece a anatomia do Banguela mais do que ele mesmo. Ela é sábia. Ela tem princípios. Ela é alegre. Ela está dividida. Ela está ferida. Ela é vulnerável. Ela é algo que personagens mulheres normalmente não são em filmes de ação/aventura com protagonistas homens: Ela é interessante.

Uma pena que a história não dê a ela nada para fazer.

Faz alguns anos agora que tem acontecido uma pressão cultural para dar a personagens mulheres em filmes mainstream alguma capacidade de agir sozinhas, respeito próprio, confiança e competência, para fazer delas mais do que vítimas em desespero e eventuais troféus dos filmes de ação da década de 80, ou o tipo briguentas, reluzentes, assexuadas-ainda-assim-sexualizadas que surgiram a seguir, moldadas na inovadora durona Vasquez de Aliens. A ideia de uma personagem Mulher Forte - alguém com identidade, tarefas e propósito próprios - tem permeado completamente a conversa sobre o que está errado no modo como mulheres são normalmente percebidas e retratadas hoje em dia, em HQs, videogames e filmes especialmente. Sophia McDougall já dissecou e descartou a expressão de forma inteligente, e artistas como Kate Beaton, Carly Monardo, Meredith Gran já satirizaram hilariamente o que isso acaba significando nas HQs. "Mulheres Fortes" é tão usado como deboche quanto descritivamente, porque é apenas simplista, um padrão baixo para estabelecer, e é mais um termo de marketing do que um objetivo importante. Mas assim como continua sendo frustrantemente incomum para os filmes passarem o simples e pouco exigente Teste Bechdel, ainda é raro ver filmes mainstream de ação/terror/ficção científica/fantasia introduzirem mulheres com qualquer tipo de força significante, ou uma mulher que vai além de alguns simples estereótipos.

E mesmo quando eles conseguem, os escritores frequentemente parecem se perder depois desse ponto. Trazer uma Mulher Forte™ não é de verdade uma declaração feminista, ou uma declaração de inclusão, ou até mesmo uma declaração básica de igualdade, se o personagem não tem nenhuma razão para estar na história a não ser deixar os criadores apontarem para ela no pôster e dizer "Tá vendo? Esse filme totalmente respeita mulheres fortes!"


Valka é apenas o último exemplo de Personagem Supérfluo e Fraco disfarçado de Mulher Forte. E possivelmente ela é o mais deprimente, considerando as outras grandes qualidades de Dragão 2, e considerando o quão impressionante ela é no abstrato. O filme gasta tanto tempo tornando-a primeiro deslumbrante, depois simpática e só um pouco dolorosamente patética em seu isolamento e estranheza ao encontrar outro ser humano. Mas depois que as introduções são finalmente realizadas, e a batalha começa, ela imediatamente se torna inútil, tanto para o resto dos personagens quanto para a narrativa acelerada. Ela enfrenta o vilão (o vilão que aparentemente ela vem resistindo com sucesso sozinha por anos!) e é sumariamente derrotada em um instante. Seu marido e filho totalmente a obscurecem; eles precisam resgata-la duas vezes em talvez cinco minutos. Sua maior contribuição para a narrativa é dar ao Soluço uma breve conversa estimulante de "Você é o Escolhido". Então ela desaparece do filme, levantando a questão de por que a história gastou tanto tempo com ela pra começo de conversa. Pode ser que seja porque o roteirista-diretor Dean DeBlois originalmente planejou que ela fosse a vilã do filme, então descartou essa ideia nos rascunhos posteriores. Mas esses últimos rascunhos dão a ela a estrutura de um antagonista complicado... e a conclusão de um ninguém. (Enquanto isso, o verdadeiro vilão quase não tem nenhum histórico - o que é tudo bem, de certo modo - mas isso deixa o filme desequilibrado)


E o tipo da Valka - a Mulher Forte Sem Nada Pra Fazer - está ficando mais e mais comum. O Uma Aventura LEGO é o exemplo do ano mais vulgar e frustrante. Ele introduz sua protagonista feminina, a Mega Estilo dublada pela Elizabeth Banks, como uma heroína linda, com super-poderes, super-inteligente, ultra-confiante, que está horrorizada com o quão burro e azarado o protagonista Emmet é. Então o resto do filme ri dela e a marginaliza enquanto ela se torna uma rabugenta, reclamona e estraga prazer. Uma piada faz com que Emmet a ignore totalmente quando ela está tentando coloca-lo por dentro da luta de seu grupo para salvar o mundo; ele troca as palavras dela por "Blah blah blah, eu sou linda." O único propósito dela depois que a história começa é ser salva, repetidas vezes, e eventualmente conferir o selo de aprovação da garota legal que marca a transformação do Emmet de perdedor para vencedor. Depois de uma história exclente e um final poderoso, o filme minimiza seu triunfo com uma parte onde Mega Estilo pede permissão a seu atual namorado para terminar com ele e poder se dar ao Emmet como recompensa pelo sucesso. Para o cara comum triunfar, a Mulher Forte tem que desaparecer totalmente em um Troféu Subserviente. Isso é a Síndrome Trinity à la Matrix: uma mulher de capacidade incrível que nunca se torna tão independente, significante e excitante quanto em sua cena introdutória. (O diretor Chris McKay meio que reconheceu o problema em uma entrevista com o DailyMail apresentada como "O criador de Uma Aventura LEGO promete mais mulheres fortes na sequência," apesar de que o que ele realmente diz não tem nada a ver)


E mesmo quando personagens femininas fortes e confiantes conseguem contribuir para uma história de ação liderada por homem, sua contribuição está mais para ser marginal, ou relegada a papeis de enfermeiras, ou papeis de vítimas, ou papeis românticos. Considere Tauriel em O Hobbit: A Desolação de Smaug, uma Mulher Forte totalmente inventada ostensivamente para adicionar um pouco de equilíbrio de gênero em uma aventura só de homens. Ela é capaz de matar aproximadamente um bilhão de aranhas e orcs com técnica de arco e flecha kung-fu élfica, mas ela apenas mostra qualquer traço real de personalidade quando está babando sobre o anão Kili, e em retorno o Legolas babando sobre ela, em um familiar triângulo amoroso Crepusculesco. Considere a Dahl da Katee Sackhoff em Riddick, introduzida como uma segundo em comando durona que proclama logo que não é nenhum objeto sexual de homem - diferente da única outra mulher do filme, uma vítima de estupro brutalizada e acorrentada, casualmente assassinada para provar um ponto - mas que não recebe nenhuma relevância para a trama. A despeito do que Dahl diz, ela é um tempero sexual para o filme: Ela tira a roupa em cena, luta contra tentativa de estupro, sorri para os avanços graficamente grosseiros do anti-herói, então decide no final que gostaria de ser objeto sexual dele. Considere a Carol Marcus da Alice Eve em Além da Escuridão: Star Trek, introduzida como desafiante, iconoclasticamente quebradora de regras exatamente como James Kirk, mas no fim acaba aparecendo na história mais para poder tirar a roupa em cena e se apresentar como uma refém embaraçosamente ineficiente. Mako Mori da Rinko Kikuchi em Círculo de Fogo é fraca perto do Raleigh do Charlie Hunnam - seu trauma passado a bloqueia de ser eficaz em um combate de mecha, e coloca em perigo todos ao seu redor - mas mesmo quando ela prova sua força, ele ainda tem que se afirmar e apaga-la, largando seu corpo inerte enquanto vai para a batalha salvar o dia. Idem o Jack do Tom Cruise em Oblivion, que faz o mesmo com Julia (Olga Kurylenko), sua parceira capaz.

É difícil para qualquer filme de ação ter dois ou mais heróis iguais, e a abordagem de equipe não funciona com toda história. É compreensível que para a trama da Jornada do Herói concluir, o herói às vezes precisa dar os últimos passos sozinho. Para os heróis homens, isso normalmente significa colocar independência e sacrifício próprio antes de qualquer outra consideração. Mas por décadas, filmes de ação encontraram modos de deixar os sidekicks homens voltarem no clímax da história sem morrer, desaparecer, ou esperar em casa para se oferecer ao herói para celebrar a vitória dele. Personagens mulheres não precisam dominar a história para serem independentes, mas elas precisam ter algum senso de propósito... Valka serve, aparentemente, para dar uma informação encorajadora e um pouco de inspiração para o Soluço, e nada mais. É um papel frustrantemente trivial para alguém por quem a narrativa parece se importar apaixonadamente... até chegar a hora dela fazer algo.

Então aqui vai um questionário rápido para cineastas que criaram uma personagem mulher que não é um adorno útil, oportunista, um McGuffin, ou um brinquedo sexual. Parabéns, você tem uma Mulher Forte. Isso é um ótimo começo! Mas e agora? Roteiristas, produtores, diretores, considerem isso:

01. Depois de ser introduzida, a sua Mulher Forte então falha em fazer qualquer coisa fundamentalmente significante para o resultado da trama? Qualquer coisa mesmo?
02. Se ela faz algo significante para a trama, isso é primariamente ser estuprada, espancada ou assassinada para motivar o herói homem? Ou decidir fazer sexo/não fazer sexo/aceitar sair/decidir terminar com o herói homem? Ou incomoda-lo para crescer, ou incomoda-lo para deixar de ser tão herói? Basicamente, ela só existe para servir às necessidades, desenvolvimento ou motivação do herói da história?
03. Poderia a sua Mulher Forte aparentemente ser trocada por um abajur com alguma informação útil escrita nele para ajudar o herói homem?
04. É parte fundamental da sua trama que a sua Mulher Forte seja a mais forte, mais inteligente, mais do mal, mais durona ou mais experiente da história - até o protagonista chegar?
05. ... ou pior, ele entra na história como um babaca bobão, mas durante o filme todo se desenvolve além dela, enquanto ela continua totalmente estática, e até o parabeniza? A sua Mulher Forte existe primariamente para o seu protagonista impressiona-la?
06. É muito bom se ela é hyper legal, mas ela só começa assim para o herói homem poder parecer mais legal ainda em comparação quando ele resgata-la e supera-la?
07. Ela é tão forte e capaz que nunca precisou de resgate até agora, mas assim que a trama começa, ela de repente é capturada e ameaçada pelo vilão, e precisa da intervenção do herói? Quebrar o orgulho dela é parte fundamental da história?
08. Ela desaparece totalmente pela segunda metade/terceiro ato do filme, por qualquer razão que não seja fazer algo significante para a trama (sem estar sendo mantida como refém ou morrendo)?

Se você pode honestamente falar "não" para todos esses questionamentos, você talvez tenha uma verdadeira Mulher Forte digna da expressão. Parabéns!


Mas há exceções à regra. No Limite do Amanhã apresenta Emily Blunt como Rita, uma personagem ultra-durona que morre para motivar o protagonista. (Repetidamente!) Ela começa como a pessoa mais foda em seu mundo, mas eventualmente é superada pelo herói William Cage (Tom Cruise), que começa como um babaca bobão. Ela na maior parte existe na história para dar ao Cage informações, anima-lo e eventualmente valida-lo com um breve momento romântico. E ainda assim a história não a rebaixa, desvaloriza, enfraquece ou descarta. O herói no fim vai sem ela - mas só bem no fim, depois dela provar seu valor mais e mais vezes. Ela é forte. Ela é confiante. Ela está desesperada. Ela é engraçada. Resumindo, ela é aspiracional e inspiracional, e tão excitante no final do filme quanto ela é no início.

Então talvez todas as questões podem ser resumidas a isso: Olhando para a assim chamada Mulher Forte, você - o escritor, diretor, o ator, o espectador - queria ser ela? Não querer provar que você é melhor que ela, ou querer que ela te elogie ou reconheça a sua superioridade. Filmes de ação são sobre realizar desejos. Ela realiza qualquer desejo para ela mesma, em vez de para outros personagens? Quando personagens mulheres rotineiramente se tornarem "fortes" o bastante para conseguirem isso, talvez elas façam a expressão "Mulheres Fortes" ter significado o bastante para não ser tão constantemente usada sarcasticamente.

Em breve, a tradução de uma resposta de alguém que não concorda nem um pouco com isso! Leia o texto original We’re losing all our Strong Female Characters to Trinity Syndrome aqui



Próximos textos da trilogia das Mulheres Fortes:


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19 comentários

  1. Texto bastante interessante. Na verdade, eu acho que todo o problema com personagens mulheres na ficção deve ser resumido, para o criador, em uma só pergunta: ela se parece com uma pessoa de verdade? Pessoas de verdade têm personalidade, qualidades, defeitos e, principalmente, objetivos e tarefas. Infelizmente, como o teste de bechdel nos mostra sempre, já é difícil termos personagens mulheres em blockbusters, magina com esses pré-requisitos :( Vejo a literatura YA como uma possível e ótima maneira de mudar isso, mas as vezes me frustro.

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    1. Aham! Mas acho até que essa de "parece com uma pessoa de verdade?" pode ser uma furada às vezes, porque muita gente enxerga as outras pessoas como bem entende, com estereótipos. Não percebe que a outra pessoa pode ser alguém como você com personalidade, qualidades, defeitos, objetivos e tarefas.

      A literatura YA tem sido mesmo um bom caminho nisso, eu até fiz um post como Divergente sendo o salvador!!! Só que às vezes também me frustro. HUAHUAHUAH

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  2. O texto até tem algumas questões válidas e interessantes, mas no todo ele pode ser resumido numa reclamação injusta baseada numa pretensão absurda, a de que uma personagem secundária não tome para si uma importância maior que a do personagem principal, o que se você observar, ocorre também com outros personagens masculinos, bem como também tende a acontecer em estórias onde há uma heroína central, e da mesmíssima forma todos os personagens secundários, homens ou mulheres, tem seus papéis minimizados.

    Até seleciona bem exemplos de filmes onde realmente o papel feminino ficou desnecessariamente desvalorizado, mas ignora uma horda de outros onde isso não acontece ou mesmo invertem a situação. Bem além do citado "No Limite do Amanhã".

    Vamos ficar só em 10 exemplos: Homem de Aço, X-Men, Espetacular Homem-Aranha, Tartarugas Ninja, Guardiões da Galáxia, Capitão América 2, Wolverine Imortal, Homem de Ferro 3, O Reino Escondido (Epic) e Cloud Atlas. Pra citar apenas filmes mais ou menos recentes ou de franquias ainda atuais, que encontrei dando uma olhadinha no final de minha lista de filmes assistidos. E isso DEIXANDO DE FORA filmes com protagonistas principais femininas, como os da série Alien, Jogos Vorazes, Divergente, Crepúsculo etc.

    Em suma. Reclamando de barriga cheia.

    E só por falar mal de Oblivion já merece um esculacho.

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    1. Ei, Marcus, você leu os outros textos da trilogia das Mulheres Fortes? Acho que é legal ler ao todo para refletir.

      Mas acho que você não percebeu um ponto importante. Aliás, antes disso: a própria autora desse texto falou que não é uma questão de tomar o lugar do personagem principal, até porque ela entende que o herói precisa completar a aventura sozinho para completar a jornada do herói (argumento dela).

      E dos exemplos que você deu, eu não assisti Wolverine Imortal, Homem de Ferro 3 e Epic, não lembro exatamente de Cloud Atlas, mas nos outros: o único que passa direto em representatividade é Capitão América 2. De acordo com o que a autora fala, os únicos que passam é Capitão América e Guardiões da Galáxia, talvez X-Men. Tartarugas e Homem de Aço têm o mesmo problema, e Homem-Aranha é mais complicado (mas mais pra negativo). Um exemplo recente que talvez passe é Os Mercenários 3.

      No terceiro post da trilogia (link ali em cima), tem um bom exemplo de como não acontece exatamente o mesmo com secundários homens. Pode até comparar os secundários homens nesses filmes com protagonista mulher que você citou e os secundários mulher nos outros.

      Pegue esses mesmos filmes que você citou, já que são todos do mesmo "estilo", e veja a porcentagem de mulheres em cena e de mulheres protagonista em relação a homens. As coisas estão melhorando, mas está longe de ter alguém de barriga cheia.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Estou propensa a concordar com o Marcus. Existem problemas? É claro que existem, e muitos! Mas encontro mais da metade dos exemplos citados no artigo como uma interpretação forçada a encaixar na teste sem o ser de verdade. Tauriel possui as mesmas habilidades atléticas já tão demonstradas por Legolas ao longo do Senhor dos Anéis, como usar escudo de skate, derrubar um olifante inteiro em 20 segundos e por aí vai. No entanto, ela é criticada por possuir exatamente as mesmas habilidades, sendo que ela é ainda membro da guarda. Ou seja, Legolas pode, mas Tauriel não? Ele pode salvar o dia, derrubar olifantes e caçar orcs, mas se é ela fazendo as mesmas coisas é questão de misoginia? Parece-me bem o contrário. Comparando outros exemplos muito próximos que não passariam nessa tabela apenas porque um é homem e outro é mulher: Hercules e Xena, das antigas series de TV. Ela seria a protagonista do item 4 e seria reprovada mas ele, se encaixando no mesmo item, não teria problema algum? Sinto um exagero tremendo nesses itens listados, inclusive, porque personagem secundário algum sobreviveria a esses quesitos. Quer um exemplo? Avengers e o Gavião Arqueiro, ele não consegue sequer passar do primeiro item, reprova em todos os outros.

      Ainda falando de Tauriel, o texto implica, numa reflexão mais profunda, que uma personagem feminina não pode ter um interesse romântico, não pode ser humana a ponto de não se sentir dividida entre dois amores ou ser o pivô de um triângulo amoroso. E eu acho que isso seria um enorme problema, se ela fizesse tão somente isso. O que não é o caso. Afinal, é Tauriel que faz Legolas finalmente sair de Mirkwood e agir e é ela que coloca um ponto de interrogação sobre a hostilidade entre elfos e anões. Vejo infinitos problemas na Arwen do livro, que apenas teceu uma bandeira, mas não na Tauriel. Dizer que ela não pode possuir essas habilidades equivale a dizer que Legolas o pode, porque é um príncipe élfico, mas ela, guerreira da guarda, não. E /isso/ sim seria muito problemático.

      Inclusive, eu lutaria para existir muito mais personagens femininas com um pelo menos mínimo de background, seja ela em qual papel estiver, nos mais diversos papeis, representando uma realidade fatídica. Em um filme como Thor 2, Jane pode perfeitamente ser a personagem que desfalece e Frigga a personagem que morre porque estão ambas no mesmo filme, junto com Darcy e Sif e ao invés de serem apontamentos de misoginia, ao contrário, são uma perfeita contribuição de diversidade feminina que não é encontrada sequer nos personagens masculinos do mesmo filme. Misoginia, aliás, é dizer que uma mulher não pode ter interesse romântico, não pode ser a mais forte, não pode desfalecer nem nada porque é mulher, é andar na contramão da igualdade.

      Acho o texto tendencioso e não acho, como mencionado, que o mesmo não ocorre com personagens masculinos secundários. Já dei o exemplo do Gavião Arqueiro e, usando a mesma franquia, ainda cito Bucky, Sam e s Howling Commandos e Howard Stark que somem mais que Peggy Carter em Capitão América. Mudando de gênero de filmes, então, a argumentação só escala. Harry Potter, onde a donzela que morre para impulsionar o protagonista, sem qualquer importância real, é Cedrico. O próprio Como Treinar o Seu Dragão que possui personagens secundários masculinos que são tão ou mais esquecidos que as personagens femininas.(...)

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    4. (...)O que eu quero dizer é que concordo com o problema de como personagens femininas nos são apresentadas. Não existe tridimensionalidade, enquanto a maioria dos personagens masculinos são saltados de peças de Sófocles e tridimensionais e redondos como Édipo Rei escrito pelo teatrólogo. A questão é que não concordo com os argumentos e os exemplos apresentados, e tampouco acho que qualquer personagem secundário cuja função seja fazer a trama andar conseguiria passar pelos quesitos enumerados. Não acredito que esses quesitos devam definir que a personagem feminina é "real", mas sim parar e pensar: seria possível ela existir no mundo, se aquele mundo em que ela existe fosse real? Ela é tridimensional? Existe um fundo para ela? Ela é uma pessoa e não só um vaso de planta? É aí que reside a diferença.

      E isso em todo meio midiático, tanto como em jogos, filmes, livros, novelas e tudo o mais. Um exemplo? A trilogia de games Mass Effect: temos uma personagem maravilhosa, Commander Shepard, quando escolhida mulher, e temos outras muito boas feito Urdnot Bakara, Aria T'Loak (e, ironias, dublada pela Carrie Ann-Moss, a Trinity tão criticada). Em contrapartida, tem-se a rasta extremamente problemática das asaris que são um sexy simbol masculino quando supostamente deviam ser as criaturas mais evoluídas da galáxia. Mas as asaris podem ser um sexy simbol justamente pela diversidade das outras personagens.

      Mesmo assim, é preciso saber até onde estamos vendo chifre em cabeça de cavalo e não agregar personagens boas à vasta lista de personagens femininas horríveis já criadas. Tauriel, a mãe do Soluço, Viúva-Negra, estão longe de serem um problema, especialmente se comparadas à Rapunzel de Enrolados, por exemplo.

      Gavião Arqueiro e o Soldado Invernal não teriam sobrevivido a essas peneiras tanto quanto Valka.

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    5. Antes de tudo: posso publicar o seu comentário como um post extra da trilogia?

      Camila, eu concordo totalmente com você. É por isso que eu publiquei esse texto fazendo parte de uma trilogia - se você ver, o segundo texto mostra bem o que você disse, há mais para mostrar do que a mulher forte sem coração e negar o lado feminino também é uma forma de desvalorizar a mulher. Eu publiquei esse texto aqui por três motivos.

      1- porque ele, já de partida, nos faz pensar e questionar. a sua resposta é um exemplo impressionante disso!
      2- porque ele lembra do perigo de transformar a "Mulher Forte" em mais um estereótipo sem realmente mudar nada. Ou nós temos a vítima indefesa de troféu, ou nós temos a mulher que luta de troféu.
      3- E principalmente porque ele toca numa perspectiva da representatividade feminina****** importante: o que ela faz na história. É um conceito que pra ser sincera nem eu dominei, ele começa a ganhar forma conforme eu entendo mais. Deixa eu usar o exemplo de Como Treinar o Seu Dragão - a mãe do Soluço, a Valka, eu acho que o texto falha em analisar justamente porque ele nega um retrato fora do estereótipo de "mulheres fortes", ou nem considera. Eu até diria que ela passa no teste proposto aqui porque ela fez a própria escolha (largar a família para cuidar dos dragões em vez de lutar contra eles), essa escolha é validada (não há nem questionamento, o que é incrível do filme!) e se ela não luta no final, é porque essa sempre foi a escolha dela. O segundo texto analisa bem esse lado.
      Mas, por exemplo, nós temos a Astrid. A melhor guerreira viking de sua geração, durona, que luta e não recebe ordens. Mas toda vez que o Soluço aparece no filme ela vai para segundo lugar. Chega a quebrar a personagem para transforma-la na namorada-incentivadora. Ela pode ser incrível e fazer as coisas, mas você sente que ela nunca vai conseguir passar do segundo lugar ao lado do Soluço. Mas eu posso deixar passar o filme, que já faz conquistas incríveis e até porque parte da narrativa é "não existe ninguém como ele". Serve como um lembrete para o futuro - que, afinal, é o objetivo de tudo isso aqui. E se você coloca ao lado de filmes como Frozen - ninguém duvida da capacidade do Kristoff, pelo contrário, é focado em mostrar que a Anna pode ser inteligente também. Acho a ideia importante que o texto mostra é querer algo, fazer algo por si e ao mesmo tempo não ser resumido em nome do protagonista. Ou em Thor 2 - a assistente da Jane é o tempo inteiro mais esperta, mas na hora H ela fica meio inútil para o assistente bobo dela provar seu valor e poder conquista-la. (e nesse mesmo filme, começa com uma precisando da ajuda do Thor, aí outra desmaia, a outra morre, a outra precisa de ajuda - o problema não é mostrar a fraqueza, mas quando a fraqueza se torna um padrão de certo grupo - quando não é realidade - e essa mesma fraqueza não aparece entre os homens)

      A sua explicação sobre a Tauriel é ótima e eu concordo. E além de Mass Effect, outro exemplo legal é Orange Is The New Black: você tem personagens racistas, homofóbicas e todo tipo de coisa, mas por causa de uma abordagem tão ampla você consegue tratar disso sem que desvalorize ninguém.

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    6. ******Representatividade feminina e no geral, já que eu também me interesso por personagens interessantes e seria legal se eles não fossem só fantoches em nome do protagonista. estereótipos de qualquer forma são problemáticos (omg, acabei de descobrir que não publiquei o texto sobre isso). A questão é que, como você citou sobre Mass Effect, essa questão da variedade funciona de dois modos. Um é dentro da própria história: quanto mais personagens você coloca, melhor fica a representação porque você tem vários exemplos e passa a encarar como pessoas e não como "mulheres" (ou qualquer grupo). Também existe fora da história, em comparação com outras. Por exemplo, você tem 50 filmes com protagonista mulher, todas elas são iguais - você começa a achar que TODAS são assim. Um exemplo legal disso é que aparentemente toda mulher lutadora de filme agora tem que usar as pernas, ser meio elástica e elegante. Viúva Negra, Gamora, Mística, moça de Os Mercenários... acho que até a Mulher Gato (apesar de que isso é particular da personagem). Você repara que surge um padrão? É como a clássica ~bruxa~ do grupo no RPG, enquanto você tem homens elfos, anões, humanos, cachorros, sei lá mais o que. Acho que se a Tauriel tem algum problema, não é do filme em si, é do tempo em que ela faz parte. Ela só reforça a ideia de que toda vez que aparece uma mulher no filme, sendo forte ou não, ela vai se envolver em um romance. E mal ou bem a gente não pode negar o conjunto porque ele nos influencia tanto quanto um filme único, talvez até mais.

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    7. Eu já havia começado a escrever esse comentário quando depois vi o comentário da L. (29 de agosto de 2014 13:29) lá embaixo, que disse bem melhor do que eu pretendia dizer que existem sim ótimos motivos práticos para que mulheres usem as pernas mais do que homens. E ainda acrescento que pernas femininas são mais compridas em relação ao corpo que as masculinas, o que faz com que mulheres possam ter, nas pernas, um alcance maior até mesmo que homens mais altos. (Eu sou 1cm mais alto que minha esposa, mas é ela que tem que afastar mais o banco do carro.)

      Claro que não se pode negar o fetiche masculino pela pernas femininas, que sem dúvida é a força motriz de tanto uso delas pelas personagens. Mas é fato que existem vários bons motivos para que elas usem golpes de perna mais do que eles.

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    8. Prezada danamartins...

      Li os demais textos e considero do Segundo incomensuravelmente melhor do que este primeiro, e dou a este praticamente toda a razão. Ele reforça minha percepção de que o que se vê neste aqui é uma leitura parcial que parece criteriosamente selecionar os pontos negativos e maximizá-los, ignorando por completo elementos que o contrabalancem.

      Entender que a Saga do Herói pressupõe a centralidade do personagem principal e sua capacidade de se superar, e superar obstáculos, muitas vezes sozinho, não foi suficiente para a autora se dar conta de que o modo como redigiu sua tese termina por tornar essa saga inviável sem de algum modo minimizar a participação de personagens secundários, sejam masculinos ou femininos.

      Sinceramente não vi as idéias apontadas em alguns dos exemplos que citaste, e eu próprio não posso falar muito sobre "Como Treinar seu Dragão" por não ter visto o primeiro filme completo, somente o segundo. Mas penso que compreendi a idéia central do texto, em especial o conceito de "Síndrome de Trinity", que poderia ser descrita como: A presença marcante de uma personagem feminina Forte, na quase totalidade das vezes uma heroína de ação, independente (o que no caso significa necessariamente não depender de homens para se proteger e para agir). No entanto, em algum momento essa personagem dá lugar a um personagem masculino, herói, ficando reduzida apenas a um dos elementos que o ajudam, de um modo ou de outro, em sua jornada.

      Ocorre que isso é absolutamente estrutural na Saga do Herói. Todos os demais personagens são pano de fundo de sua jornada pessoal por mais cooperativa que esta seja, mesmo que muitos desses outros personagens sejam absolutamente vitais para a trama.

      No caso em questão, há o incômoda pelo fato de que outrora a personagem feminina de destaque era a donzela em perigo que tinha a função de, basicamente, ser salva pelo herói, ou a vítima sacrificada que tinha como função motivar o herói. Neste último caso a leitura é por demais injusta, pois na grande maioria das vezes a vítima sacrificada é o pai, e a morte do pai é o motor freudiano que empurra o herói à ação, o que pode incluir também a morte da mãe, e isso sempre logo no começo da saga.

      As heroínas tipo Trinity são apenas a fusão do interesse romântico do personagem com o companheiro de batalha que tomba durante o percurso, com a diferença de que, neste caso, gera um sofrimento e uma motivação ainda maior ao personagem, e ao mesmo tempo um alívio no seu encargo protetor, visto não haver mais, simbolicamente, o feminino a ser protegido, o que de certo modo facilita sua missão.

      Mas isso só pode ocorrer EXATAMENTE por que mulheres já foram colocadas nesse contexto que outrora era praticamente exclusivo dos homens, o dos companheiros de luta. E mesmo assim, como em vários outros exemplos, isso geralmente não acontece, Trinity é uma exceção!

      Continua...

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    9. ...Continuando

      E porque isso ocorre com ela? Porque dentre as variações da Saga do Herói, que é estruturalmente masculina (num sentido simbólico que não impede que seu papel seja feito por uma mulher) a de Neo envolve a conquista final da feminilidade não de forma literal, no sentido de desposar uma rainha, mas sim no sentido místico da transcendência, onde os aspectos Masculino e Feminino interiores são integrados, e nesse caso é essencial que o personagem, ao final, saia do mundo físico, isto é MORRA! Mas se Trinity ficasse viva, todo o papel simbólico que ela exerceu durante a saga ficaria comprometido, uma vez que sempre significou uma projeção da Anima do herói. Ou seja, sua morte significa a reintegração dessa aspecto feminino na psique do herói, e é isso que o prepara para a Batalha Final.

      No mais, quando me referi a "reclamar de barriga cheia", apontei uma insatisfação perpétua que sempre encontrará algo do qual reclamar. Ora, classicamente, a participação feminina nas sagas clássicas se resumem a Mulher Inimiga (bruxa ou rainha má), Donzela em Perigo que frequentemente se confunde com a Princesa a ser Conquistada, a Mulher Tentadora, que tenta seduzir o herói tirando-o de sua missão, a Vítima Sacrificada para motivá-lo (que na maioria das vezes é homem) e a Mestra Iniciadora, uma tipo de sábia que o aconselha e o ajuda a evoluir (que na maioria das vezes também é homem). Que eu me lembre agora, essa lista é exaustiva.

      Na contemporaneidade surgiu também a Mulher de Armas, ou seja, aquela que combate em igualdade com o herói. Ela pode morrer, como acontece frequentemente com aliados masculinos, e pode se misturar com algum papel feminino clássico. Aliás a maioria pode ser combinado. A Mestra pode ser a Vítima Sacrificada também, por exemplo.

      Para fugir TOTALMENTE a alguma formulação clássica, essa Mulher de Armas teria que ajudar o herói a vencer, permanecendo viva, e depois SUMIR DE CENA! Pois se ficar inevitavelmente cairá em alguma das categorias anteriores. Como exemplo o próprio No Limite do Amanhã, onde a personagem que de fato fez vários papéis, de Mestra Instrutora, Irmã de Armas, Vítima Sacrificada etc, no final das contas afinal será a Princesa a ser Conquistada, ou seja, a coroação simbólica da vitória total do herói Não transcendental.

      Ou seja. NÃO TEM JEITO de satisfazer a lista supracitada. De um modo ou de outro isso tem que acontecer. Claro que ao final o herói poderia agradecer a ajuda e deixar a companheira partir e não se falar mais nisso, como costuma acontecer com companheiros homens, mas aí é fatal que haverá outra mulher para desempenhar algum outro papel, que invariavelmente irá atrair a insatisfação que dirá que mais uma vez temos uma mulher sendo secundária o papel masculino! Caso contrário o final fica absolutamente frustrante.

      Continua...

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    10. ...Continuando

      Me lembro agora de dois exemplos: Big Troubble on Little China (Os Aventureiros do Bairro Proibido) e Conan - The Destroyer. No primeiro a duas mulheres das quais uma faz papel de companheira que ajuda a solucionar problemas, embora ao final se torna a donzela em perigo. Mas depois de salva pelo herói, ele simplesmente vai embora! Recusando até mesmo beijá-la! No segundo há uma personagem feminina forte que no começo é salva pelo herói e passa a ajudá-lo, vai com ele até a luta final e sobrevive, sendo depois promovida pela princesa à Capitão da Guarda do reino. Mas esta princesa, que foi a Donzela em Perigo, o feminino a ser protegido, ao final Não Foi despojada pelo herói.

      E porque, nesses casos, isso aconteceu gerando nítida frustração em quem não compreende o que está em jogo? Porque em ambos os casos a Saga do Herói não foi finalizada. Ficou aquele espírito de continuação no ar.

      Enfim, não vou me alongar mais embora haja muita coisa interessante a se debatida. Reitero que há coisas boas no texto e que concordo com algumas das questões levantadas, mas continuo considerando-o como essencialmente equivocado, até mesmo injusto.

      Penso que isso atinge o ápice ao reclamar de Oblivion, uma saga heróica onde desde o começo o foco foi total no personagem principal e seu drama interior, até que sua Anima aparece literalmente materializada na esposa que surge na história, confirmando a desconfiança íntima que ele sempre tivera. Eu lamento que a outra Vicky merecia ter sido citada ao final, como tendo sido de algum modo salva e integrada à humanidade, mas o papel de Julia NÃO TINHA como ser diferente, uma vez que não teria cabimento que ela se sacrificasse com ele se é justamente por ela, simbolicamente, que ele se sacrifica, ainda que também pela humanidade. E se ela pouco fez no final, o mesmo pode ser tipo dos demais poucos personagens. Você poderia me dizer o que você mudaria para que esse filme, um de meus favoritos, passasse no teste proposto? De preferência alguma mudança que não arruinasse a estória?

      Chega! Fico por aqui.

      Amigavelmente

      Marcus Valerio XR
      xr.pro.br

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  3. Antes de mais nada, obrigada pela resposta e sim, dou permissão para publicar o meu comentário, se você quiser. É sempre bom gerar um debate em torno de assuntos importantes, hm? E sim, eu li os artigos anteriores e compreendi que é uma síntese de ambas as opiniões.

    Entretanto, devo dizer que ainda discordo de vários pontos. Isso porque o problema de esterótipos não se resume às personagens "femininas fortes". O mundo do cinema atual é recheado de esterótipos em ambos os sexos. Poucos são os filmes que não os tem, mas algumas vezes esse esterótipo está mais nos olhos de quem vê do que na película.

    Você mencionou Mística, por exemplo, mas e o Wolverine? Existe um esterótipo de "poder masculino" maior do que o Wolverine na franquia de X-Men? E tanto pior que, em torno de 6 filmes que ele apareceu, pouco vemos suas motivações reais e, talvez, o único que tenha entrado fundo nessa questão tenha sido X-Men 2. Percebe que sequer os filmes que levam o nome dele tratam da história e personalidade tridimensional do personagem? Em contrapartida, suas habilidades atléticas ou não, Mística sempre foi uma personagem absolutamente interessante e enxergá-la apenas por sua habilidade atlética e de combate me mostra que o problema não está no cinema mas como está em nós, telespectadores. É esse o ponto em que nos focamos, ao invés da simbologia da Mística? Uma mulher que não tem medo de andar azul e nua e orgulhosa de si mesmo, e a frase que ela diz ao Noturno, quando ele pergunta porque, com as capacidades dela, ela não se transfora em uma pessoa "normal" "porque nós não deveríamos". E, a partir de First Class, a figura emblemática, ainda que distante dela, só tem ganhado mais e mais personalidade, a menina que conheceu Charles e quer lutar por si esma para ser quem é e tudo o mais.

    Quanto à Tauriel, a questão não é o papel dela, a questão é o meio onde ela está inserida: na Terra-Média, na época em que o mal começa a se tornar denso, ou ela seria uma guerreira élfica ou estaria em casa bordando bandeiras como Arwen. Dos dois exemplos, creio a guerreira muito menos nocivo. E, mesmo assim, se me permite, ao juntar Arwen, a donzela que espera, Éowyn, a filha guerreira, Galadriel a sábia e Tauriel também guerreira, nós temos um universo cinematográfico muito mais equilibrado do que a obra literária original. E eu sou fã do Tolkien! Mas devo reconhecer que, além da Éowyn e Tinúviel, não há mais nenhuma personagem feminina interessante, enquanto, nas primeiras páginas, já nos somos apresentados a uma dúzia de personagens masculinas. Acredito, aliás, que a Tauriel seja uma vitória e que nós estamos desperdiçando nossa pequena vitória tentando encontrar meios de despedaçá-la, como se não pudéssemos acreditar que, nossa, finalmente alguém realizou que o filme ia estar cercado de homens barbudos e uma senhora élfica intocada. (...)

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  4. (...)Quanto a Thor 2, sinceramente achei uma representação muito digna que contradiz bastante os quesitos elencados no artigo. Por quê? Como eu mencionei, Jane é uma cientista, que desfalece sim, é certo. Darcy, esperta mas alívio cômico, Sif se encaixaria na guerreira Trinity, ou como queira chamar, enquanto lady Frigga seria a que morre para impulsionar o protagonista. A uma primeira vista, explicando assim, parece o filme mais misógino do planeta e talvez o fosse, exceto que não, não é. Jane pode ser a protagonista que desfalece porque, em contrapartida, temos Sif no mesmo filme para equilibrar como a mulher independente guerreira, equilibrada por Darcy, que não sabe lutar mas tem um raciocínio ótimo e um humor agradável, equilibrada por lady Frigga e sua classe, sabedoria e abnegação, que equilibra Jane e por assim seguimos esse ciclo. Já é muito mais variável que a trindade Loki-Thor-estagiário que ninguém lembra o nome.

    A minha questão é: até que ponto /nós/ estamos assistindo errado?

    A Viúva-Negra, que você mencionou entre guerreiras atléticas... na verdade, esse é o menos dos aspectos dela. Nos dois filmes em que ela teve maior participação, não foram as habilidades de luta dela que ajudaram a resolver conflitos, nem sua beleza nem nada disso. E num universo de sex exploitation, as tomadas das costas e quadris do Steve Rogers, o uniforme colado e cavado do Gavião Arqueiro são muito mais apelativos do que as roupas práticas, fechadas da Viúva. Em Vingadores, o maior trunfo dela foi usar exatamente esse esterótipo como um trunfo para enganar Loki, mas ainda podemos ver o lado frágil e humano dela ao tremer de medo (com razão) do Hulk. A dívida dela com Clint Barton é de amizade e companheirismo, não é porta para romance, e é ela quem solve a questão de fechar o portal, basicamente sozinha. Em Soldado Invernal, então? Não pretendo analisar tudo, mas temos uma mulher inteligente, que sabe usar a visão fechada da sociedade em seu favor, que consegue maquinar planos engenhosos e seguir com eles e é assim, e não com suas habilidades de luta (que, frente ao Soldado Invernal, de nada adiantaram) que ela ajuda a resolver os conflitos do filme.

    Mesmo assim, 11 em cada 10 críticos conseguiram assistir o filme e dize que deram um pouco mais de papel para ela além de ser eyecandy - e isso me faz pensar que metade do problema está com o telespectador. Ao assistir o filme, todos esses críticos foram incapazes de passar pela beleza da Scarlet e assistir de verdade o que a Viúva estava fazendo. Ela nunca foi eyecandy. Inclusive, em Vingadores, se existiu uma donzela em apuros que só foi sequestrada para servir de impulso é o próprio Gavião Arqueiro. (...)

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  5. (...)Talvez, nós estejamos implicando demais com um universo que tenha começado a engatinhar. E quando você fala em Astrid, é exatamente o que fizeram com Kristoff em Frozen. Astrid e Kristoff seguem um mesmo arco como Tauriel e Legolas, mas ainda assim, nós só conseguimos ver problemas em Astrid e Tauriel porque nossa visão está contaminada a achar que qualquer personagem masculino é redondo e sofocliano quando mais da metade deles são uma grande porcaria.

    O último filme do Superman? Lois Lane conseguiu ser menos pior (sim, o termo é esse) do que Clark e o pai humano dele, figuras mais caricatas e menos embasadas que Gokue de Dragon Ball a quem tanto foram comparados. Em nenhum momento Clark Kent mostra preocupação genuína com a humanidade, em sua via sacra a se comparar com Jesus. Não, ele destrói Pequenópolis e lima metade de Metrópilis e sua maior preocupação é torcer o pescoço do vilão na frente de crianças? Oras, mas se já morreu mais da metade da população daquele lugar mesmo. Ao menos Lois estava sendo movida por curiosidade genuína, e isso é um aspecto muito mais humano do que a trajetória do personagem que dá nome ao título.

    E isso porque parece-me que estamos nos focando no eixo de filmes heróico-fantásticos e nos esquecendo de uma boa parte dos outros. Orgulho e Preconceito? Apesar dos limites da época em que o filme se desenvolve, machista por si só, temos personagens femininas que são infinitamente mais sofoclianas e bem construídas que seus personagens masculinos - inclusive superando em quantidade.

    Você também mencionou Orange is the New Black e eu não posso comentar muito a respeito da série porque não a assisti (porque a verdade é que, por mais interessante e recomendada que tenha sido, eu particularmente ão gosto desse tipo de série, seja OITNB, Prision Break/Two and a Half Man) mas talvez uma série que represente muito um equilíbrio que eu gostaria de ver nas outras é Sleepy Hollow.

    Só queria dizer que não vejo problemas em protagonistas que desfalecem, que são guerreias, que são namoradas, que são mães, que morre, que são vilãs, desde que sejam personagens e não caricaturas. Deveríamos lutar para elas começarem a se tornar habitualidade nos filmes, por um cenário onde o que mais se discutiria sobre Tauriel seria sua visão geopolítica ou como chuta a bunda de aranhas e orcs, ao invés de discutir sobre o sexo dela e seus amores porque, para nós, isso não faria diferença alguma. Estamos longe? Muito! Mas até que ponto é por nossa própria culpa e os óculos que colocamos e que nos impede de enxergá-las como personagens mas apenas como personagens femininas?

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  6. Olá! Andei acompanhando essa discussão por fora, e infelizmente a Camila - vulgo gatilho mais rápido do Oeste - já expôs basicamente qualquer coisa que eu pudesse pensar em acrescentar de realmente relevante. Mas, como fiquei me coçando para deixar meus 2 cents também, gostaria apenas de comentar alguns detalhes. E o primeiro deles é que, na verdade, o foco em escrever mulheres fortes é errado. Precisamos escrever mulheres, ponto.

    Como já exposto pela própria Camila, o maior pecado das narrativas, sejam clássicas ou atuais, é a falta de representação feminina, de qualquer sorte. O que me remete a uma discussão da qual participei ontem, sobre a objetificação da mulher em quadrinhos - que, no fim das contas, tem relação estreita com o que se discute aqui, pois tudo parte da mesma origem. Não haveria problema algum em termos a mulher-objeto, se ela não fosse a regra. Batemos palmas para a atitude de uma Valesca Popozuda porque ela está inserida em um universo pleno de outras figuras femininas absolutamente diversas entre si, onde cada uma é tão necessária quanto a outra. O ponto, portanto, não é deixar de escrever a mulher que chora, ou a que precisa ser salva. É escrever mulheres que possam ir além disso. E se elas chorarem no trajeto, não tem problema. Há tempos derrubamos também o mito de que meninos não choram, lágrimas são democráticas.

    Outro ponto que acho que não podemos perder de vista, ao avaliar uma obra: a posição do personagem. Não adianta querer que Astrid resolva tudo, quando Soluço é o protagonista - por mais forte que ela seja. Essa regra, veja bem, não se aplica apenas a personagens femininas. Peguemos Guerra nas Estrelas, por exemplo: a princípio, absolutamente todo personagem é mais forte e/ou experiente que Luke Skywalker. Ainda assim, o primeiro a morrer nas mãos do Império é justamente Obi-Wan, seu mentor. É um dos tantos padrões da jornada do herói, e uma lógica que rege inclusive RPGs, desde os de mesa até os de videogames. Ninguém evolui tanto, ou de forma tão notável, quanto o personagem no qual a história é focada; os coadjuvantes, NPCs ou elenco de apoio estão ali justamente para ajudá-lo em sua jornada.

    E tomo a liberdade de entrar em uma questão praticamente estatística, trazendo Tauriel de volta à discussão: em um universo majoritariamente masculino (e heterossexual), não parece lógico que uma mulher capaz, decidida e bonita mexa com os personagens que a cercam? Sem contar que não se pode negar que nós costumamos (não é regra, lógico, mas é sim um traço cultural generalizado) ser mais abertas a sentimentos - não necessariamente o amor romântico, mas uma visão de mundo com maior sensibilidade. Me parece natural, portanto, que seja Tauriel a enxergar a mesquinhez da atitude de seu rei, bem como seja ela a ponte de ligação entre elfos e anões. E vale lembrar que, ainda que ela possa ter algum interesse em Legolas (mesmo que sua decepção diante do veto de Thranduil possa ser interpretada principalmente como a humilhação de ser tomada por inferior), o grande mote romântico do filme é o encanto que Kili sente por ela, e não o contrário. Não é a figura feminina quem suspira de amores e idealiza - é o guerreiro anão. Que, aliás, precisa ser salvo por ela incontáveis vezes ao longo do filme, a ponto de surgirem os apelidos "Disney Princess Kili" e "Disney Prince Tauriel".

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  7. PS: Um último adendo, a respeito de mulheres que lutam usando as pernas. Novamente: não é regra, mas mulheres tendem a ter mais força nas pernas do que nos braços; junte um grupo de garotas que frequentam academia e confira se elas se saem melhor no leg press ou no supino. A tendência, inclusive, é de termos um centro de gravidade mais baixo que o masculino, e por isso uma menina pequena, com a base adequada, pode facilmente derrubar um agressor, agarrando-o pela cintura - a força usada, na verdade, é a das pernas. O "teste da cadeira", inclusive, ajuda a demonstrar essa questão: https://www.youtube.com/watch?v=MW0ZTvRCS1o E se técnicas que usam mais as pernas que os braços são, na verdade, uma maneira de aproveitar uma vantagem natural que temos sobre os homens, por que evitá-las? ;)

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