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Análise: O Histórico Feminista de Frankie Landau-banks

17.4.14Dana Martins


Eu ia fazer uma resenha sobre O Histórico Infame de Frankie Landau-banks (E. Lockhart) e aí lembrei que o Paulo já tinha feito, mas eu estava tipo AI MEU DEUS PRECISO FALAR DESSE LIVRO e aqui estou eu. Ele é incrível. Não só porque é bem escrito e fala de sociedades secretas, mas porque é a melhor representação do que é ser uma garota hoje em dia. 

Vamos conversar sobre como E. Lockhart faz isso.

Se você não conhece a história, indico ler a resenha do Paulo, mas basicamente: Frankie volta às aulas com corpo de mulher e agora as portas estão abertas para o mundo das pessoas populares, mas ela logo descobre que seu cérebro não foi convidado. Não. Ela é uma garota. Ninguém nem suspeita que ela possa ter ideias geniais. E ela decide provar que não é bem assim se infiltrando em uma sociedade secreta (Leal Ordem dos Bassês) só para garotos. 

Enquanto eu lia me dei conta de que usar sociedades secretas é uma forma genial de mostrar a exclusão social. Uma sociedade secreta é um grupo restrito de pessoas, ou seja, exclui o resto por algum motivo. Poderia ter sido usado para tratar do racismo, diferença de status social ou idade, mas o que está no jogo é o machismo. 

símbolo da Leal Ordem

Essa sociedade secreta, a Leal Ordem dos Bassês da escola interna Alabaster, funciona como um meio de garotos populares criarem laços. Só que mesmo quando Frankie descobre que a sociedade existe e que garotos muito próximos fazem parte, ela se vê de mão atadas.

Pior ainda, Frankie observa seu namoro crescer baseado em mentiras. Ele nunca vai ser realmente dela. Não. Ela nunca vai fazer realmente parte deles. Vemos que ela gosta daquele grupo de amigos, mas existe uma divisão clara entre eles. E por quê? 

Simplesmente porque ela é uma garota.

Calma aí, é a mesma história de Legalmente Loira?

Isso ressoa bastante com todas as vezes que uma garota tem sua ideia desvalorizada. Não, quando uma garota dá uma ideia ela não é des- valorizada, ela simplesmente não é valorizada, não tem como perder o valor que não tem. 

A sociedade secreta também permite a autora tratar do sentimento de pertencimento. Quer dizer, aquela velha história de você querer ser alguém, encontrar o seu lugar no mundo, buscar aceitação e blablabla. Então, quem não faz parte da sociedade secreta é o quê? Por que você não é bom o bastante para fazer parte? 

Ou bom o bastante para ficar com esse namorado, ou ser lembrado por alguém mais legal. 

Isso é um tema importante quando se fala de feminismo porque estamos falando de um grupo que é visto como secundário na sociedade. Pensar que mulheres são iguais a homens não é o nosso pensamento padrão. O que é padrão? "Mulheres são de Vênus, homens são de Marte", então dependendo do que você tem entre as pernas você precisa ser de Vênus ou de Marte. Você se esforça para se encaixar em um padrão.

A própria Frankie discute sobre isso de maneira brilhante em uma conversa que envolve até cavalos marinhos, você pode ler no trecho entre as páginas 159 e a 163.


[Pergunta detalhada para ele sobre como ele abordou o papel e o que aprendeu] Para Scarlet: Para ficar em forma para a Viúva Negra, teve algo especial em termos de dietas? Scartlet: Como você [RDJ] recebe uma pergunta existencial realmente interessante e eu fico com tipo, pergunta de "comida de coelho"?


Agora vamos conversar sobre um outro trecho. 

Nesse momento Matthew elogia Frankie e é a coisa mais romântica. É aquela pura validação "você não é como as outras, você é especial. eu gosto de você." 

- De nada - disse Matthew. - Gosto de garotas que sabem aceitar um elogio. Você sabe como muitas garotas ficam todas: "Ah, eu? Não sou bonita, sou horrorosa."
- Sim.
- Pois é, é tão mais legal quando alguém simplesmente agradece. Então, não se torne aquela garota, o.k.?
- Aquela garota horrorosa? O.K.

Então depois nós somos surpreendidos com essa minúscula reação interna da Frankie: 

Uma parte minúscula dela queria ir até ele e gritar: "Eu posso me sentir horrorosa de vez em quando se eu quiser! E posso falar para todo mundo o quanto sou insegura, se eu quiser! Ou posso estar bonita e fingir que acho que estou horrososa, por falsa modéstia - também posso fazer isso se eu quiser. Porque você, Livingston, não manda em mim e nem me diz que tipo de garota eu devo me tornar".

Que é seguida por esse trecho:

Mas a maior parte dela estava simplesmente feliz por ele ter passado o braço em volta dela e dito que a achava bonita.

Essa parte é genial, porque mostra que ela é uma pessoa normal, que está idignada e feliz também. De cara eu achei meio chato o mini-ataque dela, porque não tem nada a ver com a situação, quer dizer, ele estava só fazendo um elogio. Eu acho chato essas pessoas que ficam arranjando problema em tudo, como se tentasse aplicar teoria na prática. ELE DEVERIA SABER QUE ESSE ELOGIO, NA VERDADE, É UMA FORMA DE CONTROLAR A FORMA DE AGIR. MANDA PRA PRANCHA!!! O mundo não é assim, mas calma, isso não é conformismo. Eu só não acho que discutir com a pessoa vai funcionar. 

E, nesse momento, a Frankie não discutiu. Aliás, uma parte maior dela estava justamente focada em ficar feliz por estar com ele. Vamos parar e aplaudir a autora por isso.


Aplaudir porque essas pequenas contradições que a Frankie enfrenta durante o livro só deixam a personagem mais natural. Quantas vezes nós não vemos algo que não concordamos, percebemos isso, mas acabamos até participando? Espero que nenhuma e que seja apenas eu às vezes ficando em silêncio quando falam merda. 

Mas, calma aí, então como reagir nessa situação sem ficar arranjando briga? 

A Frankie foi ganhando confiança, às vezes ela se dava o trabalho de discutir diante de situações sexista, às vezes ficava só pensando. No fim, decidiu fazer o que queria mesmo assim, provando que uma garota podia fazer parte da sociedade secreta. Para quem quisesse perceber. E acho que tudo a partir da página 328 serve como referência. 

Aliás, aproveitando a deixa, mais do que tudo o que foi citado aqui, O Histórico Infame de Frankie Landau-banks mostra claramente a diferença de tratamento entre homens e mulheres. Alguém lembra do post "10 razões para autores homens fazerem mais sucesso do que mulheres"? Eu poderia resumi-lo com uma coisa: homens e mulheres são valorizados de maneira diferente. E o livro é basicamente uma aula sobre isso.

Vale dizer que o trabalho da mulher não é prezado?
Trecho na razão 10, do post 10 razões para autores homens fazerem mais sucesso do que mulheres


A história é sobre uma garota que se passa por um garoto, então as diferenças são claras. Se é um garoto é genial, ou talvez seja só coisa de garoto, mas se é uma garota... ela certamente ficou maluca. Por que uma garota ia querer liderar uma sociedade secreta e pregar peças na escola? Não faz o menor sentido!!!!

Agora finalizo com o meu trecho preferido do livro, que mostra algo que também foi discutido no Nerdfighters Brasil que deu origem ao post das razões citado acima. 

- Colocar o Peixinho na piscina antiga. Você não acha que isso significa alguma coisa?
- Como assim?
Ela não acreditava que ele tinha carregado aquela estátua de vários quilos por entre túnes sufocantes no meio da noite sem querer pensar no simbolismo do esconderijo. 
- O Peixinho é um ícone da nossa escola, certo? Todos os ex-alunos lembram dele com carinho, está aí desde sempre etc.
- Sim.
- Então?
- O quê?
- Você não vê?
- Bem, é um peixinho numa piscina, que é tipo um aquário - Matthew disse.
- Não seria um indício de que a velha Alabaster esteja obsoleta?
- Talvez - Matthew riu e passou o braço em volta de Frankie. - Mas talvez você esteja pensando demais. 
- Não, sério - ela insistiu. - O Peixinho representa os valores antigos da escola, e colocá-lo nessa piscina seca é como dizer que estes valores são velhos e imprestáveis do mesmo jeito que a piscina.
- Que valores?
Por que ele não a entendia? Ele estava se fazendo de bobo para guardar o segredo?
- Toda essa rede de Alabaster, essa coisa de Veteranos da escola preparatória - ela disse.
- Parece que você está interpretando um monte de coisas pra nada - Matthew deu de ombros. 

-dana martins



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5 comentários

  1. Muito interessante o post, ainda não sabia muito sobre esse livro e gostei de sua análise.

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  2. Ótimo texto.

    A resenha do Paulo já tinha em deixado com vontade de ler esse livro, mas após esse texto vi que é extremamente necessário ler.

    Muito bom ver que um livro infanto-juvenil trate de forma simples uma questão tão importante: a valorização das mulheres.

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  3. Adorei que você tenha resolvido falar sobre esse livro mesmo já tendo resenha sobre ele no blog, por motivo de: me lembrou de que ainda não o incluí na minha lista para a Bienal! =O
    Uma amiga já tinha me indicado a leitura um tempão atrás, mas fui lendo outras coisas e acabei esquecendo... Pulei os trechos em que você cita trechos porque gosto de pegar um livro sem ter lido muita coisa sobre ele antes, hehe, mas adorei todo o resto ;)

    Blog da Mo

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  4. Ei Dana, sei que esse post é antigo. Mas só li agora. Também li o livro e gostei bastante. Mas devo dizer que se você gostou tanto dele. Acredito que vai gostar tanto ou mais do livro "Sociedade secreta dos meninos gênios", e olha que a questão de discriminação pelas mulheres como inferiores e o tema sociedade secreta é maior! e como você falou é um prato cheio para discutir preconceito. Fica a dica ;)

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