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Quando você não se sente bem

24.9.18Colaboradores CC


Esse é um texto de Duda Trento sobre as coisas que sente (e não sente) por causa da depressão.

Às vezes, você só se sente estilhaçada. 

Você sente como se uma parte de você (ou, às vezes, quase você inteira) estivesse faltando ou tivesse sido posicionada de uma maneira esquisita, como quando você tenta resolver um quebra-cabeça sem prestar atenção nas peças. Você sente como se o ar que você respira não fosse o suficiente pra preencher o buraco que tá dentro do seu peito. Seu coração bate tão rápido às vezes que você pensa que talvez, em algum momento, ele vai se cansar e simplesmente parar de funcionar. Você sente cada parte do seu corpo doendo, gritando, lutando pra te manter acordada e viva. Piscando. Respirando. Engolindo. Sobrevivendo.

Às vezes, você não sente nada. Absolutamente nada. É como se tudo que costumava ter algum efeito em você tivesse parado de funcionar. Você escuta as pessoas rindo, e você até ri com elas, mas você sabe que, no fundo de você mesma, você não está tão feliz quanto elas. Você ri, mas não sente a risada dentro de você. Não há necessariamente alguma coisa errada com você ou ao seu redor naquele momento, você só tá ali. Sem realmente conseguir sentir tudo que antes você costumava sentir, às vezes até demais. É como se o seu corpo tivesse ficado cansado de sentir e só tivesse bloqueado tudo.
E você até tenta voltar a sentir de novo, mas você não sabe o que tá acontecendo, você não sabe por que parou de sentir as coisas em primeiro lugar, você não sabe como “voltar ao normal”, você não sabe se é porque outras pessoas te machucaram, você não sabe se é porque você machucou a si mesma, você não sabe se as coisas algum dia sequer vão voltar ao jeito que elas costumavam ser antes disso tudo, você não sabe se você gostaria que as coisas voltassem a ser como eram, você não sabe se perdeu a capacidade de sentir, você não sabe mais nada.

Às vezes, você sente tudo de uma vez só e é demais. O som da sua própria respiração começa a te irritar, a presença de outras pessoas, a luz que tá clara demais, o cheiro do seu próprio perfume, as sensações na sua pele, sua boca e sua garganta secas como areia. Tudo é demais e você não consegue processar muito bem todas as informações que estão chegando pelos seus nervos sensitivos até o seu cérebro, mais especificamente no córtex pré-frontal, ou será que era lobo occipital, talvez o hipotálamo, e de repente você está num looping de nomes anatômicos correndo pela sua cabeça e o desespero também chega porque você não lembra da metade deles, muito menos das funções de cada um, e aí você começa a se questionar se realmente aprendeu alguma coisa ou se você só estava decorando a merda da matéria pra colocar numa prova e poder voltar pra casa e finalmente conseguir dormir depois de duas semanas estudando incansavelmente.

Você quer gritar, você quer dar um soco em alguma coisa, você quer tirar tudo aquilo, todas aquelas informações do seu corpo, e simplesmente não existir. Mesmo que por um momentozinho, mesmo que por mais ínfimo que seja, às vezes você pensa em não existir. Você se sente sobrecarregada e exausta. Você deseja só conseguir dormir pra esquecer tudo isso. Às vezes, você tenta.

Às vezes, nada parece o suficiente. Às vezes, parece que nada do que você faz é o suficiente pra qualquer pessoa perto de você. Às vezes, você sente que as outras pessoas não te dão tanta atenção quanto você dá a elas, mas então você se sente culpada por se sentir assim porque “é óbvio que as outras pessoas se importam comigo” (você só não consegue acreditar às vezes. Não exatamente por causa delas, mas porque você mesma tem dificuldades em acreditar que uma coisa tão boa quanto pessoas se importando contigo poderia acontecer com você). 

Parece que tudo tá incompleto, e isso inclui você mesma. Todos essas ideias não terminadas dentro da sua cabeça, todas as coisas que você teoricamente deveria fazer, todas essas preocupações e pensamentos obsessivos. Todos esses sentimentos — e a ausência deles — sendo coisa demais pra você lidar. Você se sente incompleta, metade, um quarto, um-sobre-infinito. Pequena, fraca, invisível, distante, não o suficiente, não boa o suficiente. Tudo gira num looping dentro da sua cabeça e você tá sentada no meio disso tudo, assistindo, incapaz de fazer muita coisa a respeito. Você não sabe nem se você quer fazer alguma coisa a respeito.

Às vezes, você se sente cansada. Não cansada por falta de sono (embora às vezes sim), mas porque você tá fazendo coisas demais. Você se sente cansada quando vai dormir às 3 da manhã (você não conseguiu fazer seu corpo entender que era pra você dormir mais cedo), você se sente cansada quando acorda no meio da noite sem razão aparente, você se sente cansada quando você acorda de manhã (porque você ainda tem que Fazer Coisas, mesmo que você esteja se sentindo tão horrível quanto um gato atropelado). Você se sente cansada porque você usou energia demais só pra tentar se levantar da cama. Você se sente cansada porque trocar de roupa também usa energia e tem dias em que você só pega a primeira coisa que vê pra poder ter energia o suficiente pra conseguir fazer café da manhã porque você também tem que comer. Você se sente cansada porque ficar acordada usa muita energia e você mal tem bateria pra isso, mesmo tendo acabado de abrir os olhos. Você se sente cansada porque sair de casa e falar com pessoas drena você — mesmo quando você quer fazer essas coisas. Qualquer coisinha é demais pra você. 

Você deseja que tivesse uma semana, um mês, talvez até um ano, só pra poder organizar seus pensamentos e se colocar de volta nos trilhos, porque você descarrilou em algum momento lá atrás e tá difícil voltar. Você se sente cansada depois que o dia terminou e em alguns dias você tem que escolher entre tomar um banho quente ou cozinhar alguma coisa, porque fazer os dois é inviável. Você se sente cansada quando deita na sua cabeça e pensa em ter que fazer isso tudo de novo no dia seguinte. Você mal deu conta de hoje (mas, ei, você conseguiu, não? Parabéns!), quem dirá o que vai acontecer amanhã. Talvez você finalmente acorde se sentindo melhor (esse dia parece nunca chegar), ou talvez até pior do que ontem. Você nunca tem certeza. E isso tira sua energia também porque a sua cabeça não para de pensar sobre tudo que aconteceu, está acontecendo, vai acontecer, poderia ter acontecido e deveria ter acontecido. Todos “e se”s, todos os “eu não deveria ter feito isso”, todos os “eu preciso fazer isso”, todos os “eu não fiz isso”. Tudo, tudo, por mais pequeno que seja, tudo drena sua energia.

Duda Trento

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2 comentários

  1. Ultimamente eu tenho me sentido assim, insuficiente e cansada de tudo. Só quero deitar no colo de alguém que amo e chorar. Queria que a pessoa entendesse o que eu tava sentindo sem eu precisar explicar. Queria não me sentir assim.

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  2. Mano que definição...
    Eu já nem sei mais o que fazer.É tudo isso e mais uma infinidade de coisas. Parece que não vai passar...

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