autoimagem corpo

Depois de desnudar a alma, tirar a roupa é uma consequência natural

6.8.18Taiany Araujo


Durante um tempo eu fiquei fascinada sobre o assunto nudez, fiz post aqui pro site e tudo. A ideia de estar vulnerável e se expor de forma tão livre de barreiras me interessa muitíssimo. Talvez tirar a roupa nem seja uma grande questão, ao menos para algumas pessoas. Para mim, contudo, ainda mais num contexto de ensaio fotográfico, é sim um salto de coragem.

Bom, o tempo foi passando, e esse assunto ficou empilhado junto de outras coisas que me despertam interesse. Percebi que além de não tá 100% confortável pra fazer um ensaio desse, o fato de ainda morar com a família faz com que esse seja um desgaste que não quero agora. E tudo tava ok, até eu conhecer a Milena Paulina: o ensaio ainda não vai acontecer, mas a loucura por nus voltou com força total. 

Eu nem tinha ideia do quanto tava desconectada com os fotógrafos que acompanhava até conhecê-la. De forma geral, sigo trabalhos de fotógrafos homens, e apesar de achar a estética deles maravilhosa, não me via naquelas fotos. Outra coisa que vinha me incomodando era a ausência de corpos gordos - óbvio que se eu procurasse ia achar - mas eu queria essa realidade nos trabalhos que já acompanhava, e não queria nada sensual (apesar de acreditar que também é importante), eu queria que as fotos fossem cruas, como eram no 302 (projeto do fotógrafo Jorge Bispo que fotografa mulheres nuas enquanto externa como cada uma lida com a ideia de nudez e o próprio corpo). E foi sem procurar que acabei esbarrando num projeto chamado "EU,GORDA", idealizado pela fotógrafa Milena Paulina depois de ter visto na internet um ensaio da modelo Jacqueline Jordão, onde pela primeira vez ela pode ser reconhecer num corpo gordo e perceber que até então nunca havia se sentindo representada. 
Me vejo em cada dobrinha dessa.

O "Eu, gorda" é um coletivo de mulheres gordas que se reúnem numa roda de conversa para falarem sobre o que é ser uma mulher gorda para cada uma, contar sua história, suas lutas e alegrias, é um lugar para se conectar. Durante um dia inteiro essas mulheres se enxergam e são vistas, e é somente ao final do encontro que rola os ensaios que são individuais. Acredito que depois de terem desnudado a alma, tirar a roupa seja uma consequência natural. 

Uma das coisas que torna o trabalho da Milena tão único é o fato dela também se desnudar, das roupas e da sua história. A fotógrafa não é diferente de quem registra, é de gorda para gorda, de mulher para mulher. A gente fala muito sobre representatividade e como isso é importante, e talvez há quem pense que isso é coisa de "gente da internet". Não é. Se sentir representado é se sentir pertencente, se sentir "normal" mesmo que muitos tentem provar o contrário. Por mais únicos que queiramos ser, há em nós como seres humanos, o desejo de nos sentirmos incluídos. Infelizmente, por vezes nos é negado isso. 

Eu falo de mulher gorda porque sou uma, não é só mais fácil para mim falar de algo que vivo, como é mais real. No entanto, sei da necessidade de se falar sobre homens gordos e de todos os preconceitos também sofridos por eles. Essa semana mesmo li uma matéria no buzzfeed sobre um youtuber que explicava sobre ortorexia e como o preconceito para com o corpo gordo fez com que ele desenvolvesse um distúrbio alimentar. A gordofobia não é um preconceito sofrido exclusivamente por mulheres, estar fora do padrão é ser um pária social, eventualmente de formas tão sutis que nos perguntamos se não é realmente coisa da nossa cabeça, afinal a questão com a saúde é real. Tal como todas as pessoas magras serem saudáveis. Ops, não é bem assim.


O que engana no preconceito quanto às pessoas gordas é que ele tá tão enraizado que a gente nem percebe, só vai machucando, machucando, machucando e quando damos por nós, é uma buraco cheio de lembranças meio amargas. Tem gente que, como eu, possuem o sorriso amarelo de quem já ouviu muitos "se você emagrecesse só um pouquinho", outros não deram tanta sorte. E é por isso que projetos como o da Milena são valiosos, eles permitem que essas histórias sejam colocadas para fora, que sejam enfim ressignificadas.

Em seu Instagram, Milena divulga as datas e os locais dos ensaios, além de publicar algumas das fotos e falar, falar muito, falar de coração para coração. Apesar de não te-la conhecido através do seu trabalho mais "famoso", o ensaio com youtuber Alexandra Gurgel, que também luta pela visibilidade da mulher gorda e contra a gordofobia, sinto que descobri esse coletivo no momento certo, é cansativo se sentir sozinho.
Alexandra Gurgel

Somos esse apanhado de pele, pelos e história. 

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