análise cultura do estupro

Reylo é abusivo

27.6.18Colaboradores CC


Star Wars fez mais parte da minha vida que qualquer outra obra. Eu cresci assistindo aos filmes e, foi com oito anos, que passei a esperar ansiosamente por uma continuação que só veio a acontecer em 2015, após a compra da Lucasfilm pela Disney. Algo que eu sempre quis foi ver uma mulher Jedi como protagonista e “O Despertar da Força” não só realizou esse meu sonho, como trouxe outros novos personagens, além da Rey, pelos quais também me apaixonei: BB-8, Finn, Poe Dameron ainda que o personagem do Oscar Isaac só tenha vindo a ter maior destaque no filme seguinte.

Os Últimos Jedi” dividiu opiniões. Eu me encontro entre as pessoas que amaram o filme, embora tenha alguns pontos que me desagradaram. Algumas escolhas do diretor, como a storyline do Finn com a Rose, que no fim acabou parecendo só uma desculpa para “heterorizar” o personagem. No geral, foi um ótimo filme com um bom apelo à nostalgia, que me emocionou e arrepiou em diversos momentos.

Literalmente em cenas específicas do episódio VIII
Meu maior problema com essa nova trilogia é, na verdade, com um ship: Reylo. Ou seja, o “casal” – que até o momento não é canon E NÃO ME IMPORTA O QUE O RIAN JOHNSON DISSE – formado por Kylo Ren, o grande vilão e Rey, a heroína. Se fosse só mais um ship de cara mau x mocinha, eu não estaria nem aí, porque, para ser franca, o romance em Star Wars sempre foi o que menos me importou. Por mais que eu amasse Han x Leia, por exemplo, eu estava muito mais interessada em ver as batalhas espaciais e saber sobre a mitologia dos Jedi e a Força. Reylo, no entanto, é uma das exceções a minha máxima da vida, que é: “Shippe o que quiser.”. E porquê? Eu explico...

Por mim, somos todos livres para shipparmos e gostarmos do que quisermos, a menos que seja um casal tóxico / abusivo, que ofenda alguma minoria – como alguns ships de personagens lésbicas com homens, por exemplo – ou que destrua o que o personagem é e representa, em prol do romance. E dessas três coisas, Reylo se encaixa nas três.

Falemos, primeiramente, sobre o fator do racismo. Sim, racismo. Não estou dizendo que, se você shippa a Rey com o Kylo Ren (ou Ben Solo, chame como quiser), automaticamente é uma pessoa racista. Não. Mas não podemos nos esquecer de que uma das opções de par romântico – caso venham a investir em um – para a Rey é o Finn. O Stormtrooper que desertou e que, ao longo do Episódio VII, os dois foram construindo uma relação de amizade muito bonita (além do óbvio crush do Finn por ela), baseada no carinho e respeito mútuo. É, no mínimo, estranho, que tantas pessoas considerem esse casal “sem química”, desinteressante e prefiram shippá-la com o vilão branco que ela, por duas vezes, chamou de monstro.

Eu de Obi-Wan: “Você quer ir para casa e repensar a sua vida”
Antes que pensem que estou dizendo isso porque shippo Finnrey, não se enganem. Minha primeira opção é que a Rey termine plena e solteira, porque não há a necessidade dela ganhar um namorado no último filme (assim como Luke não ganhou uma namorada, não é porque a Rey é mulher que precise estar em um relacionamento). Mas no geral, eu shippo, sim, Finnrey. Assim como shippo Stormpilot (Finn e Poe) e, também, Reyva.

(Obs: Reyva, no caso, é o ship da Rey com a Jessika Pava, uma personagem que não me lembro de ter aparecido nos filmes, porém, tem umas fanarts muito fofinhas das duas circulando pela internet <3)

Finnrey bem fofinhos, sim

Fanart Reyva, créditos à artista na própria imagem
Ou seja, eu não só prefiro que ela termine solteira, como não ligo para quais sejam os pares definidos no final – mas confesso: torço mais por Stormpilot, pois seria uma grande evolução.

Sério, pensem no quão foda seria uma das maiores sagas do cinema introduzir um relacionamento LGBTQ+. Uma pena que é muito improvável que aconteça. 

Meu grande problema mesmo é com Reylo. Entremos agora na questão da destruição de personagem e relacionamento abusivo. Já no episódio VIII, o papel da Rey acabou sendo o de tentar salvar o Ben Solo, porque ela tinha visto bondade nele e blá blá blá. E o que me preocupa é que transformem toda a jornada da personagem nisso: uma mera desculpa para que mais um homem branco escroto tenha a sua redenção.

Não, eu não gosto do Kylo. Como vilão, às vezes. Como personagem? Nem um pouco. E, de novo, entramos no personagem do Finn. Um cresceu com privilégios e uma família amorosa, enquanto o outro sequer tinha um nome, ou sabia o que é pertencer uma família, tendo sido criado para a Guerra, para ser um soldado que executa ordens sem questioná-las. Ainda assim, quando chegou a hora, o último (Finn) escolheu o certo: não mataria pela Primeira Ordem. Não seria parte daquilo! Já o nosso “querido” Kylo, fez isso inúmeras vezes. Por mais que me falem: “Ah, mas ele tem um conflito interno”. Dane-se! O Anakin Skywalker, PELO MENOS, ainda dá para argumentar que cresceu como escravo, perdeu todo o contato com a mãe durante o seu treinamento e, teve sim, uma vida muito sofrida. Sem falar que a redenção do Darth Vader envolveu ele se sacrificando pelo filho. O que no universo perfeito de Reylo, não acontece, já que querem ele com a Rey no final. Ou se sacrificando por ela, o que não diminuiria as cagadas dele. Assim como não diminuem as do Ani.

Assim como aconteceu com o Anakin, eu aceito uma redenção do Ben Solo. Se bem trabalhada, pode render uma cena até emocionante (ainda que eu não simpatize com ele). Mesmo que no Episódio VII, ele tenha recusado a chance de se tornar um dos “mocinhos” e tenha escolhido deliberadamente o poder, o lado sombrio. De qualquer forma, o que não deve acontecer é fazer com que a função da personagem da Rey na história seja essa, tampouco reduzi-la a um interesse amoroso qualquer. Ela é a protagonista, a Jedi da vez, a estrela da trilogia...


Sobre ser abusivo, comecemos do começo (avá):

Primeiramente, sim, eu sei que a dinâmica deles não é a de um namoro (amém!), e que como vilão, é óbvio que o Kylo fará coisas ruins, se ele não o fizesse, não seria, afinal, um vilão. Só que vale lembrar que o abuso não está presente apenas em um relacionamento amoroso que você tem com alguém. Existem em Reylo paralelos muito claros ali, palavras e atitudes, que remetem a um relacionamento tóxico. Já na primeira interação dos dois, no sétimo filme, o Kylo usa seus poderes para paralisá-la e, não somente isso, como a ameaça fisicamente (com seu sabre de luz) e a sequestra, para conseguir informação.

Sério, basta ver a expressão de pânico e medo dela.
Vale lembrar, também, que o que o Império e a Primeira Ordem representam no universo de Star Wars é, basicamente, equivalente ao fascismo e o nazismo no nosso mundo. Regime político autoritário que restringe a liberdade dos indivíduos? Confere. Milhares de mortos? Confere. Shippar Reylo é como shippar a protagonista do filme, com o soldado nazista. O problema na frase é autoexplicativo.




Reylo shippers gostam de comparar Reylo com Anidala, que é o ship do Anakin com a Padmé. Não é uma comparação tão absurda: Padmé e Rey são mulheres fortes, Anakin e Reylo são homens que foram para o lado sombrio e que tem problemas de agressividade. Apesar disso, não é um argumento tão a favor de Reylo, já que Anidala terminou assim:


Reylo seria o “Anidala reverso”. Em que o Anakin amava a mulher, até querer o poder e que o Kylo queria o poder, até amar a mulher. Numa montagem do Pinterest (onde vi uma imagem assim) parece fofo, claro, mas não é assim que é. Como eu disse, o Kylo ameaçou a integridade física dela (mais de uma vez) e é um nazista. É possível shippar Anidala como uma história de amor trágica, sem justificar as ações do Anakin, justamente porque ele se tornou Darth Vader depois dos dois se relacionarem. Porém, de uma forma ou de outra, o Anakin sempre foi problemático (ou melhor, desde o episódio II), com sérios problemas de raiva e, assim que ele foi para o lado sombrio, ele não pensou duas vezes antes de se tornar agressivo com a mulher que ele amava. O Kylo tem esses problemas de raiva também, sempre que algo sai do controle dele sai destruindo tudo o que vê pela frente e, ah, é verdade, antes mesmo dos dois terem qualquer tipo de relação ele já era abusivo com a Rey.

Ainda em “O Despertar da Força”, após tê-la sequestrado, o Kylo Ren invade a mente da Rey, o que foi comparado à estupro. Não me lembro se na novelização do filme, ou nas palavras do próprio J.J. Abrams, mas foi. E mesmo que não seja, é uma violação da mente e do corpo da Rey. Além de notarmos que é algo extremamente doloroso, tanto para ela (que consegue lutar contra) quanto para o Poe, no começo do filme.



Nessa mesma cena, as Reylo shippers enxergam uma tensão sexual, ou algo assim, mas sendo sincera? Tudo o que eu vejo é uma cena de abuso e tortura, exatamente como é na cena do Poe. Lembrando que ele diz: “Você sabe que eu consigo tudo o que eu quero”. Não é sexy. É uma ameaça.


Partindo para o episódio VIII, após Kylo ter matado a figura paterna da Rey (que, aliás, era o próprio pai dele) e ter levado uma surra dela na última batalha, o Snoke estabelece entre os dois uma conexão pela Força. No filme, fica bem claro que o supremo líder estava manipulando tudo, mas é claro que isso não faz diferença para as Reylo’s, pois fez com que a Rey enxergasse a bondade no Kylo e os dois se aproximassem e blá blá blá. O que parecem não notar, entretanto, é que em “Os Últimos Jedi” a relação dos dois é ainda mais abusiva!

Em uma tentativa de trazê-la para o lado sombrio, ele está sempre sendo um manipulador babaca, usando de diferentes táticas para colocá-la para baixo. Ele tenta se colocar como o único que a entende, o único que se importa com ela. Essas são características de um parceiro abusivo. Se é assim antes,imagina se de fato fosse ser canon? Não dá pra romantizar.

“Você veio do nada. Você é nada. Mas não para mim.”
Podemos traçar com essa frase, um paralelo entre o abusador dizendo à vítima que ninguém mais irá amá-la, senão ele. Que ninguém mais irá se importar com ela. Que ela não é digna de nada disso, mas que ele a ama mesmo assim. Se chama manipulação emocional e não é nada legal. Abusadores também costumam querer isolar a vítimas das outras pessoas, fazer com que a vida dela se resuma a ele. E quando o Kylo fala sobre os dois governarem juntos a galáxia, ele está falando só os dois. Sem amigos. Sem família. Ele diz a ela para deixar tudo para trás, tudo o que ela se importa. Em vez dele sacrificar o poder, ele quer que ela sacrifique as relações que ela construiu até então. Por que é ela quem precisa abdicar?

Ah, mas ele matou o Snoke para salvá-la”. Não. Ele matou o Snoke para que ele, Kylo Ren, fosse o Supremo Líder da Primeira Ordem. Para ser o “chefão”. Mais tarde, quando vê a Millenium Falcoon – e sabendo que é a Rey pilotando – ele manda que atirem na nave, com sangue nos olhos. Ele não se importa com ela. Ela é poderosa com a Força e é por isso que ele a quer como aliada, não porque a ama e a vê como uma igual. Tornar Reylo um casal seria uma péssima decisão. Me arrisco até a dizer que é uma escolha capaz de arruinar uma trilogia inteira de filmes.

Eu não gosto de Reylo. É nojento e ruim... E entra em todo lugar.

***
Sobre a autoria: Isabela Duarte. Estou no primeiro ano do Ensino Médio e fiz 16 anos em Maio. Meu grande e verdadeiro amor é a escrita e, depois dela, vêm meus passatempos favoritos, que são assistir séries e ouvir música. Militante de causas sociais e a problematizadora do rolê. Gorda e felizmente bi. Tenho os melhores amigos do mundo inteiro e se discordar é porque não os conhece.

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4 comentários

  1. Concordo em todos os pontos.
    Rey e Finn com toda a certeza poderiam dar um ótimo casal assim como Finn e Poe.
    Acredito que as pessoas não veem Reylo como abusivo,pois, a Rey consegue se defender dele o que é algo muito ruim, a vítima que se defende não é mais vítima.
    Vejo muitos fãs criticando Anakin como um tirano e o Kylo Ren é romantizado.
    Império/Primeira Ordem foram inspirados do Nazismo e ele não mata o Snoke para salvar a Rey e sim para se tornar o novo Fuher daquele sistema genocida.

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  2. Mordeu a língua, ne fia? Teve Reylo sim. E o povo amou. Ficção não é espaço para lacração. Para militância, crie histórias próprias, não use canôns q já seguem linhas de ideias permeadas de valores, sejam esses certos ou não. Afinal, faz parte da historia.

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