assexualidade atração sexual

A metáfora do elefante invisível

25.6.17Isabelle Fernandes


Esses dias (provavelmente há muitas semanas atrás porque a agenda está LOTADA) tava lendo a news da Letícia quando lá no finalzinho ela fala de um texto que leu sobre assexualidade. Basicamente é uma metáfora mostrando o quanto é difícil pra aces entenderem o conceito de atração sexual porque as pessoas alosexuais partem do pressuposto de que TODO MUNDO SENTE e que se a gente sentisse, com certeza iria saber.

E eu achei tão maravilhoso que senti a necessidade de traduzir (com a revisão do Jão) e compartilhar aqui com vocês alguns trechos. Já traduzi um post aqui pro CC que também fazia uma metáfora sobre aces tentarem identificar a atração sexual, mas acho que esse vai mais a fundo, então vamo lá.

Link original aqui.
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Veja bem, eu sou uma dessas pessoas realmente analíticas que gosta de quantificar as coisas. Eu gosto de ter certezas. Eu gosto de ter definições eficazes para os meus termos para que eu tenha certeza do que eu tô falando. Eu gosto de ser clara sobre as coisas. Mais do que isso, eu gosto de estar absolutamente certa de que eu sei do que estamos falando quando tenho essas conversas.

Tem uma grande parte de mim que reage às coisas dizendo "bem, na verdade, esse termo é maleável e impreciso" com desânimo, e minha tendência natural é começar a construir definições melhores. Infelizmente, quando você não tem nenhuma experiência pessoal no que você está tentando descrever e você tenta definir um sentimento, construir um termo melhor é muito desafiador.

É tipo isso: você nasce em um mundo onde, com a maturidade, todo mundo ganha um elefante de estimação que é invisível pra todo mundo, menos pra eles mesmos. A sociedade é estruturada em torno das necessidades dos elefantes das pessoas. As pessoas falam sobre seus elefantes e de suas peculiaridades sem parar. A grande mídia inclui elefantes em cada história, até mesmo como o plot principal. Até você alcançar a idade em que você ganha seu próprio elefante, você não consegue ver nenhum, mas te asseguram de que você vai ter o seu quando você crescer e então irá entender tudo.

Então você cresce, você alcança a Idade da Aquisição do Elefante, e... nada de elefante. Você supõe que o elefante existe - até porque as pessoas insistem que eles devem existir e o pessoal da sua idade começou a falar sobre seus elefantes e o quão maravilhosos e interessantes eles são, e também pessoas com elefantes bem incomuns estão desejando fazer coisas inusitadas pelos seus elefantes. Provavelmente, você pensa, os elefantes existem, mas você não tem certeza porque nunca experienciou nada que pareça com um elefante só seu. E não seria possível que isso fosse alguma forma de plano secreto elaborado, delírio coletivo ou algo assim?

Mas as pessoas continuam insistindo que os elefantes são totalmente reais e todo mundo da sua idade começou a falar sobre o que seus elefantes estão fazendo. E você é o único que está realmente confuso sobre essa coisa dos elefantes, então você tenta casualmente trazê-lo à tona - talvez tentando perguntar para algumas pessoas numa conversa casual como é a aparência de seus elefantes, porque é possível que você tenha um elefante e só não tenha percebido!!! Possivelmente eles sejam, na verdade, incrivelmente pequenos e difíceis de se ver, mas causem bastante confusão! Além do mais, às vezes coisas engraçadinhas e intrigantes acontecem ao seu redor também, exatamente como acontece com as pessoas que tem elefantes. Então você tentar perguntar por aí, no caso de alguma coisa que você possa ter deixado de notar e não está interpretando direito, e você procura com muito afinco por coisas que possam vagamente ser interpretadas como elefantística. Mas quando você pergunta, as pessoas te olham engraçado e te tratam como se você fosse estúpido por perguntar porque dã, eles sabem como um elefante é. Todo mundo tem um!  Tudo o que você tem que fazer é olhar, não é difícil!

Você vê como isso pode se tornar frustrante.

Eventualmente você assume que você é, de fato, diferente, não apenas distraído ou desatento, e tenta construir uma imagem do que um elefante parece ser pra poder entender apropriadamente. Mas ninguém que tem um vai sentar com você, responder suas perguntas e te ajudar a entender, mesmo que você tenha sido realmente teimoso e tenha feito muitas perguntas a muita gente. Você acaba tendo que construir sua compreenssão sobre o elefante a partir de pequenas pistas, pedacinhos de informação que você consegue arrancar das pessoas normais antes delas se exaltarem e mudarem de assunto. E é claro que todo mundo enfatiza partes diferentes do que seja o elefante, porque todo mundo é diferente e pensa sobre as coisas de forma diferente, e você precisa tentar tirar algo dessas discrepâncias da melhor maneira que puder.

É assim que é ser assexual e tentar definir atração sexual por conta própria. Ou ser arromântico e tentar definir como o romance funciona. Eu acho que ser agênero e tentar entender identidade de gênero seja parecido, e eu aposto que tem outros paralelos que dá pra fazer. O ponto é: você não tem algo e está tentando entender como esse algo funciona, e ninguém que diz entender vai tentar te explicar como esse algo é.

A questão é que você pode dizer que minha necessidade inata de definir as coisas é muito improdutiva, e que a sexualidade humana é tão variada, complexa e fluida que "definições apropriadas" são desnecessárias. Você pode dizer também que não faz sentido tentar definir as coisas bem o suficiente pra ter rótulos, porque isso vira um obstáculo da celebração da nossa Diversidade Infinita em Infinitas Combinações. Exceto que eu não vou dizer isso, porque eu acho que definições apropriadas são realmente úteis mesmo quando você não tem o desejo inato de categorizar tudo adequadamente pra entender melhor.

Em primeiro lugar, definições são necessárias pra que haja diálogo sobre as coisas. Se ninguém está muito certo sobre o que os termos que estão usando realmente significam, a conversa geralmente acaba confusa pra muita gente. Principalmente se alguém pede por esclarecimentos e ninguém é capaz de fornecê-los.

Você sabem pra quem mais definições são realmente úteis? Pessoas que estão se questionando. Não, sério, se você está questionando se um determinado rótulo funciona pra você ou não, ou como você poderia se identificar, ou mesmo se você "conta" em um grupo específico, realmente ajuda ser capaz de apontar pras coisas e dizer "bem, eu tenho isso e isso, mas não isso". Como podemos usar a terminologia "assexuais não experienciam atração sexual" sem explicar o que é atração sexual? Como podemos esperar que pessoas se questionando decidam qual termo se encaixa melhor quando a definição é incerta?

[...]

O problema é que pessoas que não estão sem esse sentimento de "estar perdendo alguma coisa" são consideradas a norma. Então não há incentivo pra que elas definam esse sentimento para alguns de nós que não sentem atração sexual, atração romântica ou outras coisas. Não importa o que eles façam, esse aspecto de sua sexualidade é facilmente compreendido e convencionado. Por que eles iriam perder seu tempo definindo o que é um elefante? Da perspectiva deles, tudo o que eles tem que fazer é invocar o conceito de "elefante!" e todo mundo vai entender! Exceto aqueles de nós que nem tem o elefante pra começo de conversa, e nós somos uma imensa minoria.

É isso. Se tentar "pintar" pelas beiradas de um conceito invisível não captura a coisa como um todo, talvez alguém que realmente experiencie o conceito invisível devesse defini-lo. Até isso acontecer, todos de nós que não são o "padrão" e precisam elaborar explicações têm que continuar tentando. Seria ótimo ter a ajuda de pessoas que vivenciam essas formas de atração. Mas se elas não vão trabalhar numa definição, o resto de nós precisa dessas bordas pintadas para continuar se virando. 

***

Esse texto mexeu bastante comigo porque CARALHO, É BEM ISSO. É TOTALMENTE ISSO. A autora mostra muito bem essa agonia de tentar descobrir que porra é essa que todo mundo parece ter, menos você. E que absolutamente ninguém sabe explicar direito ou cada um fala que é uma coisa diferente. É confuso demais e é desesperador demais também, porque eu, por exemplo, fico relembrando de todos os momentos da minha vida desde, sei lá, os 12 anos, tentando identificar alguns dos sinais que costumam falar.

Eu quando me dei conta de que estar sexualmente atraída não é o mesmo que estar xonada
Leio romances eróticos e fico muito atenta ao que os personagens estão sentindo, também tentando fazer paralelo com as minhas experiências e ver se encontro algo remotamente parecido com aquilo. Não encontro nada. Teve uma época em que eu achava que as autoras deviam estar exagerando e que não era bem assim, até que amigas e colegas entraram na Idade da Aquisição do Elefante e afirmaram categoricamente: pode não ser tão frequente, muitas vezes nem tão intenso assim, mas É REAL. Me lembro bem do quanto eu queria me sentir da mesma forma quando soube disso. 

Descobri então sobre a demissexualidade, a assexualidade, comecei a tentar entender o conceito de atração sexual e acho que continuo tentando até hoje porque me considero provavelmente demi ou gray-a por achar que talvez, em algum momento lá em 2000 e bolinha, eu tenha sentido algo que poderia ter sido atração sexual. Mas pera, como é que é isso mesmo? Sempre acabo ficando na dúvida de novo e aí eu leio sobre mais uma vez e acho que entendo. Então volto pro ponto lá em cima, dissecando minhas experiências e meus comportamentos atuais tentando identificar algo remotamente parecido. É um círculo vicioso e é muito difícil se livrar dele quando você vive num mundo onde sentir atração sexual é a "norma".

Enquanto isso a vibe dos aces é essa

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