CCAnálise Dana Martins

Representatividade: Mulher Importante vs. Mulher Em Posição de Poder

28.2.17Dana Martins


Faz um tempo que eu venho percebendo que muita história nisso de "representatividade feminina" vai lá e enfia uma mulher em posição de poder na história, mas no fim do dia elas continuam não sendo importantes. Foi só esses dias escrevendo sobre Luke Cage que eu encontrei uma forma concreta de falar sobre a diferença.

Vamos começar explicando o que é cada coisa.

Mulher no Poder: 
ela normalmente aparece quando querem ir além do típico mulher que é mãe/filha/namorada. Eu acho que a mentalidade por trás disso é "caramba, realmente, mulheres existem também além da relevância delas pra homem, né? vamos fazer uma personagem mulher que tem uma carreira de prestígio". Isso acontece muito com homem negro também (Ex: Nick Fury, o cara militar em A Chegada), raramente com a mulher negra, porque já é difícil lembrar de dar importância pra mulher, ou pra homem negro, imagina uma MULHER e NEGRA.

Escritores de Hollywood:



Ainda existe, tipo a Viola Davis em Esquadrão Suicida, mas ainda acho que isso é mais do fato de que a personagem Amanda Waller já é negra nos quadrinhos e a Viola Davis é famosa. Mas enfim.

Existem várias personagens que se encaixam nesse tipo da Mulher no Poder, com variantes na aplicação. Algumas são mães também, ou namoradas e às vezes até um pouquinho de desenvolvimento. A questão vira problemática é quando esse trope é usado como token, o que acontece na maioria das vezes. Coloca uma mulher poderosa aí no fundo! Como a mulher tem um cargo "superior" e "prestigiado" isso é considerado valorização, é como colocar uma mulher com uma medalhinha. É a forma hollywoodiana de dizer "você não é a protagonista e nem relevante pra história, mas toma aqui sua medalhinha, olha só, você é importante também!!!"

Nada intencional e por maldade, é claro. Aliás, a Mulher no Poder já vem de uma busca por tentar alterar o padrão, é resultado de um esforço direto de alguém que parou e pensou "epa, não tem mulher aqui! precisamos mudar isso!" Só que também é a consequência de uma busca superficial, a pessoa não parou realmente pra rever as  próprias tendências machistas enraizadas, a estudar como dar valor à mulher e desenvolver narrativas positivas pensando em mulher. E o pior de tudo? É que quando tentam discutir esse problema, apontam pra Mulher no Poder e dizem "mas olha só, olha ela aqui, tem até um pôster especial pra ela, como você tá dizendo que eu não me importo???"

E quando colocam a Mulher no Poder, mas passam por cima de representatividade étnica/racial???
Caso clássico de Feminismo Branco


Ok, agora vamos falar da:

Mulher Importante:

A Mulher Importante é mais difícil de falar, porque não existe uma definição de mulher importante, ela não tem um "papel" na história, ela não é um trope, é só ser uma mulher importante pra história, uma mulher desenvolvida por si própria, uma mulher que é mais do que uma "função" ali. Exemplo: uma mulher policial, se ela não é desenvolvida, ela só aparece na história pra prender personagens ou representar a polícia, às vezes até pra ser namorada de alguém, mas ela não é uma personagem por si só. 

Eu vou usar Luke Cage pra explicar, sem spoilers.

Em um momento da série nós temos 4 personagens mulheres negras. Uma é uma detetive, a outra é uma Mulher no Poder envolvida em política, a outra é uma Mulher no Poder chefe do departamento de polícia e a quarta é uma testemunha de um crime.

A Detetive e a Da Política, são personagens do elenco principal da série. As duas têm a própria história, um arco com desenvolvimento, cenas de humor e drama onde nós as observamos como pessoas; enfim, todo tratamento de um personagem principal bem desenvolvido.

a terceira é a Claire de penetra, não mencionada nesse post

A Chefe de Polícia é o típico trope Mulher no Poder: eu não sei nada sobre ela (na verdade, só 1 detalhe) e ela tá ali pra cumprir a função de chefe do departamento e representar a relação da Detetive com o Sistema Judiciário (confia? não confia?). 

A Testemunha também está ali pra cumprir uma função: ser a vítima/testemunha/peão no cenário do crime. Ela é quase aquele modelo típico de Law and Order/CSI que aparece uma vez na vida pra sofrer e fazer a trama andar. Apesar disso, em Luke Cage essa personagem é desenvolvida de forma secundária através de vários episódios, de modo que nós sabemos quem ela é, a participação dela na trama principal e ela tem até um mini-arco próprio. Ainda assim, mesmo que bem tratado, é um personagem de fundo e principalmente "ferramenta" narrativa.

A primeira coisa aqui é que essa diversidade (wow! quatro!!!) de mulheres já nos dá uma base pra ter desenvolvimento - elas não podem ser iguais. E não só iguais de personalidade, a gente também vê a diferença de tratamento na narração que elas recebem. Isso pode ser um pouco confuso, porque tem que mudar a sua perspectiva aqui. Quando eu falo "tratamento", eu não estou falando elogiar, celebrar a mulher - representatividade existe em vários ângulos. O que eu estou usando quando digo de "tratamento" é como o personagem é priorizado na história.

Eu não sei explicar isso exatamente, mas é tipo... uma coisa é o protagonista, que você até esquece que é um personagem e vê como pessoa. É alguém que de certo modo parece real. Você se importa com o personagem além da função dele na história. Você se importa com os pensamentos, os dramas, o passado, o futuro. Alguém com camadas, várias características diferentes. Além disso, é alguém que tem um poder ativo na história, a trama não anda sem essa pessoa, não chega nem a fazer sentido.

Outra coisa já é os personagens figurantes, aquele capanga que fica parado na entrada da base esperando pra levar um tiro. Ninguém dá a mínima pra ele. A trama não dá tempo e nem tem interesse que você simpatize com ele. 

De certo modo, o protagonista e o figurante estão em extremos, mas no meio do caminho estão vários outros - os secundários, os personagem função, a Mulher no Poder. 

E Luke Cage mostra que você nem precisa (apesar de ser bem melhor né) que a mulher seja protagonista pra ser bem desenvolvida como alguém real. 

essa já é outra cena que envolve só mulheres

Um OBS aqui: Tanto a Detetive quanto a Da Política são mulheres no poder. E, de fato, em outra história a Mulher no Poder pode ser uma detetive fodona que vai policiar a vida dos personagens. Ou o clássico: a Presidente. (ou em qualquer cargo político) Ela tá ali só pra bater o martelinho e ser linda e todo mundo aplaude "é mesmo, uma mulher presidente". Só que na história, a "função" delas vai muito além. A Detetive parece mesmo uma protagonista da história, como o herói policial desvendando casos, e a outra apesar de cair maior nos modelos narrativos de vilão, também é alguém bem desenvolvida, com camadas e por quem você se importa. Ou seja, elas vão além de um trope superficial, elas são mulheres importantes. 

O que acontece muito com minorias é que às vezes as pessoas até lembram de colocar ali, mas não desenvolvem como um Personagem Importante. Em uma metáfora meio louca, é um pouco como ir a um salão de dança onde só tem uma pessoa já com um parceiro (homem branco hétero cis) dançando e o resto são manequins. Aí você fala, "cara, eu queria dançar também" e aí apontam pra os manequins "ué, mas tá cheio de opção aqui!!!". 

Enfim, é legal ter Mulher no Poder na história, mas que elas não sejam únicas e nem manequins. Não dá pra parar aí. Nós precisamos também de histórias onde mulheres são importantes, de verdade. 


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Só pra contar, no caso específico de Luke Cage usar o trope da Mulher no Poder não é ruim, porque você tá acrescentando a um elenco onde mulheres já são essenciais. Personagens de fundo/função sempre vão existir, não dá pra contar a história da vida de todo mundo, e é ótimo que a gente tenha as Mulheres no Poder, o problema surge quando minorias nunca ganham papeis além disso, o que infelizmente é a norma.


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