Eu vou começar esse post de uma forma que pode não fazer sentido no começo, mas que se você ler até o final entenderá muito bem meu ponto. Assim espero.
Há um tempo atrás eu estava correndo todo dia num local perto de casa em que essa prática era comum. Pessoas de todas as idades e formas físicas tiravam alguns minutos do seu tempo para correr ou caminhar naquele local.
Com o passar dos dias isso foi se tornando um hábito e eu reparei que as pessoas que eu via ali naquele mesmo horário eram as mesmas. Cada um com sua história, com seus problemas e com uma razão para acordar cedo e praticar exercício físico. Porém, teve um senhor de idade que me chamou atenção. Nós dois sempre caminhávamos por aquele caminho em direções contrárias, de forma que eu sempre passava por ele e podia ver seu rosto.
Ele era um senhorzinho simpático, baixinho, do cabelo grisalho, com o rosto completo de rugas e sempre com a mesma roupa que ele provavelmente só usava para praticar esse exercício rotineiro. Uma camiseta branca e um short preto.
Com os dias eu fui reparando que ele, sempre que passava por mim, sorria. Eu nunca soube a razão disso. Talvez ele sorria para todos ou talvez ele achasse engraçado um rapaz jovem e magro fazendo aquilo. Ou quem sabe até fosse um sorriso de orgulho por ver um rapaz tão jovem já preocupando com sua saúde. Ou ele só ria mesmo da minha forma de correr totalmente desajeitada, quem sabe?
Aí você se pergunta porque tá lendo essa história sem graça e que não tem relação alguma com a Hermione negra. Bem, pense direito e me diga: Quando eu descrevi o senhor da história acima, com qual etnia você o imaginou?
Branco? Pardo? Indígena? Provavelmente negro ele não era na sua imaginação.
Mas ele era.
E é aí que tá o problema da Hermione negra. O problema é você! É a nossa sociedade. É a falta de representatividade, não só no cinema ou na tevê, mas também nos livros e nos jogos.
Afinal, nomeie um personagem principal de um jogo que seja negro.
...
Eu só consigo pensar em um e é daquele jogo em que você é um ladrão de carros, traficante, do gueto, etc etc...
Nomeie um personagem negro que, por mais que seja o amigo do personagem principal branco cis hétero, não acabe morto ou sofra pra desenvolver outro personagem.
Esse é o problema da Hermione negra. Sou eu, é você. É nossa sociedade ter nos criado para quando imaginarmos uma pessoa, vermos o padrão branco que a gente conhece de tanto ver na tevê ou no cinema.
A Hermione ser negra não é um problema. É só um passo mais perto da solução. E só mais um motivo para continuar batendo na tecla da representatividade. Representatividade é importante. E se reclamar, a gente faz o elenco inteiro de Harry Potter ser normal. Porque diverso nunca foi a melhor palavra para definir quem nós somos.
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5 comentários
Caraca, Eduardo!!! Eu comecei lendo seu texto com raiva, apesar de saber que você provavelmente não iria se opor a escolha da Hermione ser uma atriz negra. Fiquei mais feliz ainda com a quebra de expectativa e com o jeito que você me pegou.
ResponderExcluirEu imaginei o senhor branco. Imaginei o senhor branco e com os cabelos lisos. Isso é grave, isso é triste. São traços do racismo e da hierarquia que rola aqui no Brasil e no restante do mundo. Mas esse mito da miscigenação brasileira é tão forte que deixa nosso racismo velado.
Não sei se você já viu uma imagem de 3 meninos negros ao lado de um graffiti de 3 meninos negros. Eles riem de um jeito que me dá vontade de chorar ao ver a felicidade naqueles olhinhos. Representatividade importa pra caralho, seja com personagem negro, mulher, LGBT, seja com personagem pobre não estereotipado.
Adorei, cara, parabens
Isso é muito sério. Sua abordagem foi excelente e nos faz parar pra pensar.
ResponderExcluirE fazemos isso o tempo, mesmo que involuntariamente. Até quando vamos descrever uma pessoa, tipo ela é assim, assim e assim (se a pessoa for branca) e ela é negra, é assim e assim ( se for uma pessoa negra), pq tipo já está no imaginário das pessoas uma pessoa sempre branca, e só percebemos o contrário se isso for mencionado.
É absurdo que o fato da Hermione ser negra gere tanta polêmica. É absurdo que ainda tenhamos esse tipo de pensamento.
Mas amei o texto, e o CC sempre tentando fazer do mundo um lugar melhor.
E viva a representatividade!!!
Uma coisa que me deixou meio puto com essa história da Hermione Negra, com o pessoal reclamando e tal, foi que ontem eu vi uma imagem com o elenco completo da peça e, além da Hermione e da filha dela, há apenas mais 1 pessoa negra. UMA. Que é o cara que faz o chapéu seletor...................... E AS PESSOAS RECLAMANDO POR CAUSA DE 1 PERSONAGEM NEGRA. Plmdds, gente.
ResponderExcluirNão há nenhum problema na Hermione da peça ser negra, até porque em teatro é normal não ser tão fiel às características físicas dos personagens, pois se escolhe mais por talento. Já vi muitas fanarts legais da Hermione negra, e tudo bem você querer imaginar ela assim. Tudo bem você ficar feliz por questão de representatividade, e é claro que temos que brigar com quem reclama da escolha por puro racismo.
ResponderExcluirMas não acho que imaginar a Hermione branca (pela falta de descrição nos livros) seja racismo. Porque, veja bem, se passa no Reino Unido. Existem britânicos negros? Bem, até existem, mas mais de 90% da população é branca. Se você não descreve a cor da pele da personagem, mas a história se passa no Reino Unido e a personagem é britânica, todos vão imaginá-la branca. Isso não é racismo.
Se a história se passasse no Brasil, poderíamos imaginar de várias maneiras. Aí sim, estar convicta de que a Hermione é branca mostraria um racismo enraizado, pois aqui temos real diversidade étnica.
Você comentou sobre jogo... O único que eu consegui pensar em protagonistas negros foi em Left4Dead 2, onde entre os quatro sobreviventes, dois são negros, um deles é mulher. Mas se olharmos bem por aí, cadê né? Imagine a chiadeira que seria em colocar uma Lara Croft negra?
ResponderExcluirUma colega uma vez disse que ficou com vergonha de ler um livro ambientado em Angola e só perto do final perceber que os personagens eram todos negros. E eu mesma me peguei pensando em quantas vezes eu imaginei, por padrão, por preguiça mental, por uma sociedade racista, um personagem logo de cara como branco.
Precisamos exercitar mais a empatia, inclusive nas obras de ficção.