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CCAnálise
Por que é importante você assistir histórias como The Legend of Korra
20.12.14ConversaCult
Ontem a série Avatar: The Legend of Korra chegou ao final. Sim, final para sempre. Não porque decidiram cancelar, mas porque a história foi construída para ter um final. E aí... a série não só terminou, como terminou de um jeito que explodiu o fandom e definitivamente vai ficar marcado na História da cultura pop. Mas não é de hoje que a história do Avatar vem subvertendo paradigmas, então para o meu post de finalização eu quero explicar por que The Legend of Korra é uma história como nenhuma outra.
E, bem, quero explicar por que é importante você assistir histórias como The Legend of Korra. SEM spoiler da finale.
Eu quero há muito tempo fazer esse post sobre a importância de Korra, mas até ontem nunca tinha entendido por que eu não fazia. Porque eu amo tanto essa série que sou egoísta e não quero compartilhar com ninguém. Ou porque fazer isso de maneira completa é um trabalho IMENSO. Tem, por exemplo, pelo menos 14 personagens mulheres que merecem ser analisadas para mostrar como eles transformam a representação feminina, isso só analisando do ponto de vista de mulheres em história. Eu poderia falar sobre a questão racial, inclusão de pessoas com necessidades especiais, o significado do Avatar no mundo e discutir sistemas políticos, ou crenças espirituais, ou construção de personagens, ou o fato de ser divertido assistir...
Seria mais fácil eu só colocar a série pra passar, apontando pra tela, porque a todo instante ela tá quebrando barreiras. Duvida?
Aprecia a imagem rara dessa mulher que usa super-poderes como uma pessoa normal e não como "mulher". |
Pra começar, é uma história de ação protagonizada por uma mulher. Tem noção? Filmes de ação são dominados por protagonistas masculinos. Pegando de exemplo os filmes de super-heróis da Marvel/Disney, na fase atual desde 2008 nós já temos 10 filmes protagonizados por homens e só agora anunciaram um com a Capitã Marvel. Quando ele lançar, em 2018, já serão 18 filmes protagonizados por homens. (isso sem contar os da Sony, DC, Fox e outros). Enquanto isso, Korra está protagonizando sozinha a própria história de aventura/ação em um universo onde ela é a pessoa mais poderosa que existe.
Não termina aí, Korra não é só mulher, ela é uma mulher com tipo de corpo incomum NAS TELAS (porque o corpo dela foi baseado em uma mulher real), "pesada", bruta, forte e que tem batalhas épicas onde sua representação não é restringida pelo filtro de delicadeza feminina. Ela é uma fucking heroína e tá aqui pra salvar o mundo.
Adoro essa cena. Corpo ainda feminino, postura de pessoa mais poderosa do planeta. |
Uma das coisas que já fui discutida aqui no blog (e que me irrita) é como parece que mulher sempre tem que lutar igual uma bailarina, arreganhando as pernas para todos os lados. Uma justificativa que deram foi que "mulher tem mais força nas pernas" - mesmo que isso seja verdade, não significa que precisa ser uma bailarina. Korra tem cenas que usa as pernas, na finale até dá um golpe de jiu jitsu na vilã, mas não precisa virar uma bailarina sexy pra usar as pernas.
Até a Korra ser criada eu não sabia como explicar isso, ou perceber como as mulheres podem ter essa postura mais agressiva, e essa é a importância de ter personagens como ela.
Uhul, legal.
Não, não acabou. O mundo de Avatar não é como o nosso - não existe, por exemplo, cor de cabelo loira. Então não dá pra definir os personagens com os nossos rótulos. Mas Korra definitivamente não é branca. E você sabe o quão a diversidade racial é importante, certo? E de como é uma conquista o fato dela não ser branca.
*não faço ideia de como é a maneira aceitável de falar sobre alguém "de cor". Alguém sabe? |
Pra dar uma ideia, quando fizeram o filme da história do Avatar anterior, o Aang (O Último Mestre do Ar), a Katara e o Sokka que têm a mesma descendência da Korra foram interpretados por atores brancos. Quebrar o racismo na cultura pop é uma conquista.
Então uma protagonista mulher "de cor"* não restringida ao estereótipo feminino?
É isso mesmo?
É isso, mas não só isso. A Korra é uma personagem bem construída e passa por uma jornada pessoal que não tem nada a ver com essas 3 características (repare como as histórias da Mulher Maravilha e a primeira história da Capitã Marvel estão relacionadas ao fato delas serem mulheres). Em Korra é tudo tão natural que você está se divertindo com uma ação sinistra para salvar o mundo que envolve três personagens mulheres poderosas diferentes entre si trabalhando unidas e nem se dá conta do quão revolucionário isso é.
idades diferentes, tipos de corpo diferente, "raças" diferentes, pessoas diferentes |
Sabe onde você encontra isso? Não sei. Ainda mais da forma que é feito em The Legend of Korra. Eles realmente alcançam o ponto em que a questão de gênero não importa.
Então, só da Korra existir é um ato subversivo. (e pra existir realmente precisou enfrentar uma barreira sexista)
Mas os criadores de Avatar não estão satisfeitos com apenas isso e a série é cheia de personagens ricos que nos dão momentos dignos de aplauso.
Entre eles, a jornada da Zhu Li com o Varrick que poderia muito bem representar o desenvolvimento da relação entre homem e mulher na nossa sociedade. De uma relação centrada no homem onde a mulher é uma assistente para uma relação de igualdade. Eles totalmente usam essas palavras na série pra caso alguém não tenha percebido o que eles estão mostrando com esses personagens.
Duas garotas contra um exército |
Uma das minhas maiores surpresa nessa última (4ª) temporada é o príncipe Wu, que é uma constante desconstrução do trope do herói covarde. Aquele cara desajeitado que dá um jeito de salvar o dia e ficar com a garota (Uma Aventura Lego, Como Treinar Seu Dragão, No Limite do Amanhã...). Pra começar, ele se importa com aparência, é fútil e covarde, mas não deixa de ser nada disso ao salvar o dia, ele aprende a usar isso para conseguir o que quer. Em certo momento ele é acusado de fazer algo só para chamar atenção das garotas, ao que ele responde algo como "mas tudo o que os homens fazem é para atrair garotas, você não percebeu?" o que é uma perspectiva importante. No fim, príncipe Wu sapateia no trope da garota-troféu quando Mako diz que não vai ajudar ele a ficar com a Korra como recompensa por ter sido um herói e ele ainda concorda dizendo que o ato heróico em si é válido. Você tá percebendo a quantidade de coisa desconstruída só com esse personagem secundário que aparece apenas em uma temporada? Não sei como deixar mais óbvio.
Em outro momento nós vemos no clímax da batalha final os dois irmãos Bolin e Mako se abraçarem e dizem em voz alta "eu te amo" de maneira natural. Homens também têm sentimentos e é tudo bem se expressar, beleza?
5 homens/5 mulheres |
Parte da narrativa da batalha final é dedicada a mostrar cidadãos sendo salvos, inclusive com Pema, mulher do Tenzin e mãe em tempo integral que passou a série inteira apoiando o marido, ajudando com suas habilidades maternas. De cara isso é só um alívio cômico para toda a tensão, mas no fim é mais um dos detalhes que fazem a história quebrar barreiras. Compare, por exemplo, com a mamãe de Guerra Mundial Z que só chora atrás do marido e ainda faz o favor de ligar para ele na hora mais importuna. Não é só porque a mulher não é uma amazona que ela não pode contribuir. Filmes como Homem de Aço, Espetacular Homem-Aranha e os da Marvel estão se matando para tentar mostrar isso, enquanto The Legend of Korra faz isso com 500 personagens tranquilamente.
Aliás, nessa mesma cena temos o filho artista de Su Beifong entre os refugiados, tudo o que ele faz é ficar ali no fundo, mas só a presença dele é algo importante: é tudo bem você não ser o herói. É tudo bem para um homem sentir medo. É tudo bem ser um homem que não é um guerreiro nato.
Um dos principais vilões na 3ª temporada é uma mulher sem braços que usa o poder de manipular (dobrar) água para compensar a falta de braços. Ah, pera, a dobradora de terra mais poderosa do planeta e uma das personagens mais importantes da série (The Legend of Korra e The Last Airbender) é uma garota cega.
Na última parte da batalha final de The Legend of Korra o grupo de heróis é formado por 3 mulheres e 2 garotos - já é difícil você ter uma formação igualitária, imagine uma onde o número de mulheres supera o de homem. (isso no momento final, porque no resto é dividido igual)
The Legend of Korra é uma mina de ouro de personagens e momentos assim. Eles não estão rompendo barreiras apenas em desenhos animados, eles estão indo mais longe na representação de diversidade do que a maioria das histórias - e isso inclui outros dos meus favoritos, como Harry Potter e Jogos Vorazes.
Então eu achei que merecia celebrar esse final com um texto para lembrar a importância da série. A forma que terminou é só mais um exemplo de que a Korra está aqui para passar como um trator por cima do que é considerado "normal" se isso significa lutar por um mundo mais inclusivo. Mas eu também não queria que esse fato em si jogasse sombra em todas as outras conquistas de The Legend of Korra.
Avatar acima de tudo é uma história sobre encontrar o equilíbrio e, se The Legend of Korra deixa algum legado para o mundo, é de que podemos ter uma história onde a diversidade existe em harmonia (e como diabos fazer isso).
Korra ajuda a transformar o mundo real também. |
Lembrando que essa é uma análise que considera apenas como The Legend of Korra é uma história subversiva. Ainda dá pra analisar os feitos da série de muitas outras perspectivas e esse nem é o principal fator que me faz gostar. E como esse não é um post sobre meus feels com a final (eu não consigo nem ouvir a música do final sem sentir dor, seria masoquismo tentar escrever) eu vou deixar aqui um comentário sobre o que eu achei da finale: Valeu a pena? Muito. Por mais que eu queira viver eternamente nesse mundo e não tenha saciado a minha sede de conclusão, acho que eles fizeram um trabalho fenomenal com o que tinham. Ainda mais quando você para pra ver todas essas conquistas como eu fiz nesse post. Você vê a atenção que eles dão aos detalhes como esse. Tirando a dor incontrolável que volta e meia me atinge, eu estou realmente feliz com a série. Obrigada, bryke.
E esse post é uma reação ao "How a Nickelodeon Cartoon Became One of the Most Powerful, Subversive Shows of 2014", que tem o conteúdo bem legal (vale a leitura), mas novamente reforça mais o finalzinho.
Aqui tem mais 9 motivos para assistir The Legend of Korra
Aqui uma análise da finale Por que aquele finalzinho faz sentido?
A autora desse texto é a Dana, especialista em falar coisas idiotas, traficante de cultura pop e o avatar. Deal with it. Me recuso a usar 3ª pessoa, então: Você pode ver todos os textos que eu escrevi aqui na tag Dana Martins e também estou no twitter @danagrint, vem conversar comigo. :)
Ajude o CC compartilhando os textos que você gosta.
7 comentários
Definitivamente, sentirei muitas saudades desse desenho! Os pontos citados, como você mesmo disse, são abordados com tanta naturalidade que você nem percebe que tem algo diferente, você simplesmente esquece sua concepção de gênero. É lindo demais isso vindo de um desenho "infantil".
ResponderExcluirEm meio a censuras, corte de orçamentos e tudo mais, eles fizeram um trabalho magnífico!
Você completou totalmente esse meu texto. Obrigada pelo comentário <3
Excluir-dana
Ok, amiga, vc acabou de me convencer a assistir Korra. Não é meu tipo de coisa at all, mas acho que já merece atenção só por essas milhares de desconstruções que vc falou...
ResponderExcluirVocê não gosta de Jogos Vorazes? The Legend of Korra só é contado através de um tipo de arte diferente. Acompanhe a série, a coisa só cresce. :)
ExcluirEspero que você goste!
-dana
"Aprecia a imagem rara dessa mulher que usa super-poderes como uma pessoa normal e não como mulher". APRECIEI. Curiosamente, eu estava mesmo pensando sobre isso essa semana. Lendo "Eleanor & Park" (Rainbow Rowell), tem uma parte em que eles estão debatendo as personagens femininas no X-men, e a Eleanor diz algo como: "Mais da metade delas tem a força do pensamento como super-poder. Quer dizer, esse é o grande poder que dão para as mulheres: PENSAR". E num outro livro com mutantes que li recentemente, Gone (Michael Grant), também reparei que os homens explodiam coisas enquanto as mulheres ficavam com "vidência", "leitura de poder"... Tipo.
ResponderExcluirTô meio que nem a Isabel depois desse post. Total não é o tipo de coisa que eu costumo assistir, mas achei interessante. E isso foi tão fantástico: "porque o corpo dela foi baseado em uma mulher real". TALVEZ, eu dê uma chance. Mais de uma pessoa já me recomendou. Tô pensando :)
Amaria se tivesse livro
ResponderExcluirAdorei a animação, assisti tudo em quatro dias. Acabou que até minha mãe assistiu e gostou bastante.
ResponderExcluirAcho que o final me emocionou mais do que o de Rei Leão, que vi quando ainda era pequeno. Foi realmente muito bonito, e a trilha sonora foi impecável (pra mim, que sou sensível à música, então...). Ainda dá uma nostalgia bad ouvindo a música do final.
Tudo o que você disse no texto, sobre como o desenho é subversivo, é sim, relevante, mas enquanto assistia, eu nem pensava nisso. O que me prendeu foi a espiritualidade do show (que já havia se mostrado em A Lenda de Aang), mas foi desenvolvida de forma mais madura em Korra. Não religião, mas a filosofia por trás das religiões, especialmente as asiáticas. Uma das últimas frases dela ao conversar com o Tenzin foi "agora entendo porque tive que passar por tudo aquilo. Precisava entender o que era o sofrimento para poder ter compaixão". Lindo, marejou meus olhos. O crescimento dela como personagem também foi belo. A jornada intimista dela no começo da quarta temporada não pecou, mesmo com episódios curtos.
Se em sua vida passada, o Avatar era um monge pacifista, que encarava toda vida como sagrada, nesta, era quase o completo oposto, até a personagem ser completamente desconstruída e renascida no quarto livro.
Sem dúvida, é Arte, no verdadeiro sentido da palavra. Foi capaz de me capturar e fazer minha alma caminhar conforme a história. A mudança pela qual Korra passou é análoga à mudança na alma de quem assistiu e conseguiu entrar na história.
Vez ou outra surge algo desse naipe na arte pop. Espero que dêem continuidade, nem que seja apenas nos quadrinhos, como fizeram com o Aang.