autor brasileiro CCResenhas

Cemitérios de Dragões, de Raphael Draccon

29.12.14João Pedro Gomes


"Ainda a muitos quilômetros dali, centenas de bebês continuavam a chorar. Eram sempre eles os primeiros a reconhecer a chegada de tempos ruins".

Um soldado americano. Uma garçonete irlandesa. Uma sobrevivente africana. Um dublê francês. Um hacker brasileiro. Cinco pessoas sem nenhuma relação uma com a outra. Além, é claro, de terem muito azar. À beira da morte, os cinco humanos viajam para uma estranha dimensão para que, com alguma sorte, tentem salvá-la - e, também, o seu próprio mundo - de ser destruída pela fúria dos demônios abissais.

É daí que surge a premissa de Cemitérios de Dragões. Na orelha do livro, a informação de que a história é uma homenagem a séries como Jaspion, Changeman, Flashman e Power Rangers. De todas elas, apenas a última não me é estranha. Na contra-capa, o comentário de que Draccon é um nome forte no grupo que envolve Tolkien, C. S. Lewis e George R. R. Martin. Minha relação com essa vertente da literatura fantástica não é das melhores.

Resumindo: esse livro tinha altas chances de dar errado pra mim. E, de certa forma, foi exatamente o que aconteceu: Cemitérios de Dragões foi uma das leituras mais penosas do ano. E uma das mais surpreendentes também.

Antes de mais nada, gostaria de dizer o quão impecável está a edição do livro. Eu geralmente faço isso no fim da resenha, mas, hoje, pareceu mais propício colocar logo no início, já que elas sintetizam o clima que senti ao longo de toda a leitura. As tipografias arcaicas e as ilustrações internas, que parecem ser tiradas de livros de séculos passados, quando misturadas às cores fortes e os elementos modernos da capa, refletem muito bem a releitura do modo tradicional de escrever fantasia que Draccon faz nesse livro. Cheia de referências contemporâneas, mas com longas descrições de cenários e seres exóticos, devo dizer que, para mim, foi uma mistura, no mínimo, inusitada. E, ao mesmo tempo que isso foi um trunfo do livro, se mostrou um problema na prática.

Imagens da editora. Saiba mais sobre o processo de criação da identidade visual do livro aqui.

Foi com as descrições que começou o problema. Pra você ter uma ideia, eu tive que recomeçar o livro três vezes para pegar no ritmo. É tudo tão cheio de detalhes, muitos até meio irrelevantes, que toda a curiosidade que eu tinha perdia espaço pro cansaço. Dava tanto trabalho imaginar tudo o que era descrito e entender o que estava acontecendo que, apesar de curtos, os capítulos levavam tempo demais para serem finalizados. O fato de os protagonistas demorarem quase trezentas páginas para se encontrarem e as tramas aparentemente individuais se unirem também não ajudou.

As referências também foram um pouco pesadas em alguns momentos. Não falo das superficiais, como aquelas sobre Resident Evil, Star Wars ou Harry Potter (estas últimas, as mais geniais) que quase sempre davam o toque de humor que a tensão constante pedia. Falo das referências das internas. Dos elementos claramente inspirados em outras obras. O tratamento dos dragões e o desejo de "voltar pra casa", por exemplo, me lembrou muito Caverna do Dragão, e é impossível não reassistir Avatar (o filme de James Cameron) mentalmente quando somos apresentados à árvore do conhecimento. As próprias alusões a Power Rangers foram mais explícitas do que eu esperava. Não sou daqueles que tiram o mérito da obra por causa disso, até porque fazia parte de sua proposta homenagear tais elementos da cultura pop, mas estaria mentindo se dissesse que não me incomodou.

E estaria mentindo também se dissesse que não pensei em abandonar o livro logo a princípio e repassar para outra pessoa fazer a resenha. Mas eu resisti aos primeiros capítulos, me forcei a ler trechos que não queria e, quando me dei conta, já estava completamente envolvido com cada personagem. Aliás, se tivesse que apontar o ponto mais alto do livro, seria os personagens. Pessoas com as quais a vida não foi justa desde antes de pararem naquela dimensão, ainda pior do que aquela que costumavam habitar. Pessoas com dramas reais e incrivelmente bem construídos. O desejo de saber seu destino é o combustível que impulsiona a leitura.


E, apesar de alguns cenários não fazerem muito sentido a princípio, o panorama geral do mundo criado foi bem positivo. É bastante vívido o modo como toda parte é repleta de marcas da exploração dos demônios e quase inteiramente desprovida de esperança, e Draccon não poupa detalhes sinestésicos cheios de sangue, podridão, cadáveres e criaturas do abismo para reforçar essa ideia. Essa preocupação também se aplica ao descrever os vilões, outro ponto alto do livro. Dá para sentir na pele a sensação de alívio quando há o surgimento de "heróis" em terras tão corrompidas.

E, no final... O que foi esse final? O plot turn mais intenso e inesperado que eu li esse ano. Simplesmente me destruiu.

No final das contas... você conseguiu, Draccon. Conseguiu transformar minha opinião completamente da primeira à última página e fazer com que eu sofresse pela continuação de um livro que pensei em abandonar no começo. Uma transformação surpreendente, eu diria. E, se minhas suposições acerca do próximo volume da trilogia estiverem certas, você continuará me surpreendendo cada vez mais. Mal posso esperar para que isso aconteça.


- João Pedro Gomes

***
         
 
Livro: Cemitérios de Dragões (Legado Ranger - Livro 1)

Autora: Raphael Draccon

Editora: Fantástica Rocco

Páginas: 352

Comprar: SaraivaSubmarino, Extra


(3,5 conversinhas)


O livro foi cortesia da nossa parceira, a Editora Rocco. Obrigado, pessoal!



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1 comentários

  1. " esse livro tinha altas chances de dar errado pra mim. E, de certa forma, foi exatamente o que aconteceu" João você me mata KKKKKKKKK

    Ainda bem que o livro mudou e te surpreendeu! Foi uma ótima resenha, a proposito u.u

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