análise CCFilmes

Centro de Treinamento: Onde está a profundidade de Jogos Vorazes?

1.6.13Dana Martins


Oi, todo mundo! Venho para uma das minhas conversas espontâneas dos últimos dias, dessa vez para reviver o Centro de Treinamento, a coluna aqui no CC destinada a analisar e falar sobre Jogos Vorazes. Dessa vez a conversa é sobre a profundidade do livro. Tem gente que diz que não tem, tem gente que acha parado, tem gente que... sei lá. Hoje eu vim mostrar sobre o que eu acho que é o livro e como a autora aprofunda, sim, nesses aspectos. Fiquem livres para dividirem suas experiências também. :D

Então, esses dias na nossa linda página do facebook colocamos uma fanart de Jogos Vorazes, que levou ao seguinte comentário do Gabriel:

"Nenhuma das opções. O livro é bom, a adaptação é boa, mas ambos não são completos. Suzanne não conseguiu dar profundidade na história, muito menos a Lionsgate."

Eu, que sempre achei Jogos Vorazes uma história com tanto conteúdo, estranhei o comentário e fui tentar entender o que ele achou que faltou de profundidade. Ao que ele foi legal e respondeu. :D

"No meu ver, ela se perdeu muito no romance, e deixou de lado a questão política dos livros. Tanto é que, a partir do Em Chamas, o foco se torna o relacionamento do Peeta e da Katniss, não no que tá acontecendo ao redor deles."

E acho que eu entendi. Ou entendi quase isso. E isso se liga a uma outra linha de crítica ao livro: Katniss demais! E o que está acontecendo com o mundo?

Uma amiga minha quando terminou de ler o terceiro achou o final muito fraco. Ela queria a Katniss entrando na mansão do Snow, explodindo tudo e arrancando o presidente pelos cabelos de lá. Como a heroína que ela é.

E esse é o problema dos livros de Jogos Vorazes.


O livro é uma ficção científica misturada com ação/aventura, mas centrada no personagem. Essa é a história da Katniss, não de Panem. 

Normalmente em ficção científica o mundo é central para a história: Que mundo é esse? Como as pessoas vivem ali? Como ele está transformando as pessoas?

Você quer saber como a vida ficou em convivência com os alienígenas, como as tecnologias mudaram a rotina, como é andar por aí em naves ou o mundo horrível a que chegamos por causa das tecnologias de realidade paralela.

Na aventura, você quer uma boa evolução. Quer saber o que empurra o personagem na jornada, os desafios que ele enfrenta, como ele recupera forças e como é a batalha final. 

Jogos Vorazes usa desses elementos, mas no vamos ver... falha. E falha feio. 


Se a Suzanne Collins não escrever mais, dificilmente saberemos como é a vida na Capital, ou como é nos outros distritos. Na batalha final? Katniss pega fogo e depois é presa. Para ressurgir das cinzas e atacar outra vez? Não. Ela é abandonada. Nada de glória para você, girl on fire. 

(Se bem que eu tenho plena certeza de que a Suzanne incluiu a metáfora de ressurgir das cinzas, mas não como uma fênix poderosa.)

Agora, será que por não seguir uma linha padrão o livro não tem profundidade? 

Acredito que a saída da história é por outros lados. Manipulação. Destruição da pessoa. 

Vou focar só no primeiro livro da trilogia, e tenha certeza de que tudo o que eu estou dizendo aqui se encaixa nos outros dois com muito mais força.

No primeiro, "Jogos Vorazes", nós conhecemos a Panem de Katniss, a vida miserável, os desafios que ela encontra. Nós descobrimos como uma garota encantadora um pouco temperamental que adora cantar se transforma em... uma pedra. Isso porque ela não podia falar, não podia cantar, perdeu tudo o que tinha, menos a esperança no futuro da irmã. 

vocês que leram os três livros, por favor me digam que estão percebendo como a Suzanne é genial
Quando a história começa, Katniss já está destruída. Mas ela encontrou um equilíbrio entre floresta, Gale e irmã. 

Até que o papel com o nome Primrose Everdeen é retirado. E ela perde tudo de vez. 

Perde o Gale, a irmã e a floresta, mas ainda acredita que pode recuperar. Ela não tem noção de onde está se metendo. Katniss praticamente faz um pacto com o diabo.

Veja bem, ela foi para o Jogos Vorazes, não porque ela é uma pessoa valente e nobre que dá a vida pela irmã. Katniss faz isso porque é o único modo de continuar viva. Se perdesse Prim, ela não teria mais motivo para levantar de manhã. 

Cá entre nós, um mundo assim é uma merda. E isso não é jogado na sua cara do nada, Suzanne Collins mostra como isso é real e como Katniss se transformou nisso. Como esse mundo faz isso com as pessoas. 


E essa é uma diferença elementar entre Katniss e Gale. Ele levantaria no dia seguinte se perdesse tudo, até Katniss. Ela não. 

Então temos o jogo e a manipulação. 

Katniss sempre foi esperta e sabia que vencer não era só questão de ser indestrutível, você precisava fazer as pessoas gostarem de você. É claro que ela era horrível nisso. Sem Cinna, Haymitch e Peeta, ela não teria ido tão longe.

Cinna fez ela parecer linda, Peeta fez ela ser desejada e Haymitch mostrou a importância de manipular. Mal ou bem, foram pessoas que a ajudaram. (incluindo Effie e a equipe que prepara ela para o Cinna)

É nesse ponto que a Capital começa a dar o tito no pé. Eles abrem espaço para equipes se formarem. Equipes com um único objetivo: vencer as regras da Capital.


Então, de algum modo, Katniss ganha alguma coisa quando o nome da irmã é sorteado. Poder e amigos. 


No jogo, ela manipula as próprias emoções e se dá conta de que forçar seu "amor" com Peeta dá vantagens.

Se em algum momento você pensou que durante o primeiro livro ela realmente gostava do Peeta assim, é porque a Katniss é muito boa em enganar. 

E porque a grande sacada de Jogos Vorazes é que ele nos trata como uma pessoa da Capital assistindo os jogos vorazes. O que eu acho que é o maior problema.

"Então, você esteve mentindo esse tempo inteiro, Katniss?" "Eu não acredito que você estava falando a verdade, Peeta"
O povo da Capital é totalmente alienado e, desse mesmo modo, muita gente lê o livro inteiro e não consegue ver todas as mensagens ali. É como ver realmente crianças se matarem, se divertir com tudo e não ver problema. É óbvio que Jogos Vorazes abre abertura para romances, shippar personagens, torcer por vencedores e momentos de ação divertidos.

Isso é um reality show, ele precisa te entreter.

Aliás, toda a divulgação do filme é baseada nisso. O que é o Capitol Couture? Ele nos trata totalmente como gente da Capital. A própria estratégia deles de divulgação de imagens é baseada nisso: antes de lançarem o filme nenhuma imagem do jogo em si é liberada. Por que? Porque você paga para ir no cinema assistir o reality show Jogos Vorazes, não a história sobre como eles são horríveis (o livro).

Contudo, no fim das contas, isso é outra forma de validar o livro. Ele é sobre manipular o sentimento das pessoas para conseguir algo. Ele mostra que mesmo com tantos problemas as pessoas se perdem em "entretenimentos" sem levantar a mão para ajudar. Mesmo que ajudar significasse a própria liberdade. 

Então, acho que Jogos Vorazes pode não ser bom como exemplo de política tradicional (tipo 1984, sobre o qual eu já falei por aqui). Mas ele é com certeza o maior e melhor exemplo contemporâneo sobre manipulação na mídia, o que tem muito mais a ver com o nosso mundo hoje em dia.

O Capitol Couture é genial! Parece que aprenderam bastante mesmo com o livro... 
Posso falar sobre muito mais valores crescentes atuais que o livro mostra, tipo a destruição da noção da nacionalismo (que é o que tem acontecido no mundo!). Mas por hoje basta. Acho que se todo mundo parar e ler a história se afastando de preconceitos, deixando de lado gostos pessoais e procurando relacionar com a nossa sociedade, vai tomar um susto com o que pode encontrar.

E estou aqui sempre aberta para conversar e saber mais. Eu adoro como essa história junta muita coisa e não tenho nenhum problema como opinião contrária. Aliás, eu até gosto de descobrir outros aspectos que eu não vi sozinha. 

-dana martins

TAGS: , , , , , , , , , , , , , ,

MAIS CONVERSAS QUE VOCÊ VAI GOSTAR

8 comentários

  1. Acho que esse foi sempre o objetivo principal da Suzanne, falar sobre a manipulação da mídia, e não apenas sobre a política de Panem, caso contrário, acho que o livro seria escrito em terceira pessoa, deixando a Katniss como personagem quase secundária, por trás da história de Panem. Acho que é até por isso que Jogos Vorazes é minha distopia moderna favorita. :)

    ResponderExcluir
  2. Oi Dana!
    Eu amo o blog de vocês, de verdade, justamente por essa característica marcante que vocês tem: profundidade. Não tem nada que seja "meio" abordado e sempre abordam temas diferentes e bacanas. Dito isso, quero deixar claro que me desiludi com Jogos Vorazes... por que odeio a Katniss. Acho ela uma criatura mesquinha e chata, além de ser totalmente ao contrário do seu apelido: uma garota de gelo. Fria, fria, fria. E isso acontece por que sou melodramática e amo romancear tudo e por que morro de dó do Peeta. Sou incurável (:
    Mas, achei o seu post uma abordagem diferente da história... me ajudou a visualizar melhor alguns pontos... ainda não gosto da série, mas vou me esforçar para terminá-la, só para ver se consigo identificar as características ressaltadas no seu texto :D
    Conhece Divergente? Essa é minha distopia favorita ;)
    Beijos!

    ResponderExcluir
  3. Quando eu li A Esperança eu devorei como se não houvesse amanhã. E, primeiramente, também senti essa falta de profundidade. Tudo havia mudado de Em chamas para esse último. A coisa parecia mesmo ter terminado de um jeito que não parecia digno. E não foi. Não era pra ser. Acho que a Suzanne quis mostrar um lado mais realista de como seria alguém tentando mudar seu mundo pós-apocalíptico. Ela só quis mostrar que Katniss não era grande coisa quando se tratava do mundo real. Ela podia muito bem dominar os Jogos Vorazes ter aprendido a manipular o telespectador, mas quando se tratava do mundo que ela vivia, ela não se passava de um mero peão.
    Assim que terminei de ler A Esperança , assim que foi lançado, eu odeie o livro. Odiei tudo que Dona Suzanne havia feito com Katniss, mas hoje eu já não vejo assim. Quando vc para para pensar está tudo ali. E traduz muito do que estamos vivendo hoje.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim! Acho que você e a Dana resumiram bem a profundidade da autora.
      Eu li Jogos Vorazes - a trilogia completa - em 2 semanas! E não, não é porque não conseguia parar de ler - muito pelo contrário, "em chamas" estava complicado! - mas, sim, pelo que entendi de mensagem. Eu não entendo nada de politica - mas sempre tento! - e achei que esse livro seria um porrezinho por isso. Só que eu me surpreendi tanto! Achei fabuloso! Achei o romance na dose certa - também morria de dó do Peeta :( - achei a Katniss MAGNIFICA - gente não julguem ela pelo que ela se tornou sem querer e sim, pelo que ela resolveu assumir por ser quem ela é! - e achei que tudo em volta, caminha pra acontecer mesmo - tipo, não esses exageros que as pessoas postam do aquecimento global e tudo mais, mas, sim da humanidade. Nós vamos nos tornar isso! E a Suzanne previu de uma forma atordoante.

      O melhor é ver o personagem movido não só por causas pessoais e sim, por coisas que ele acredita. Mesmo que não se beneficie - e vai por mim, ela não se beneficiou mesmo, opa! Não pode contar tem uma galera que ainda vai terminar de ler hahah. E nós somos assim mesmo! As vezes nobres e outras pobres de alma. E a Katniss personifica isso maravilhosamente bem.

      Eu amei a trilogia e acho que ela ter saido desses romances e aventuras de ultimamente, foi um triunfo!

      Excluir
  4. Jogos Vorazes tem uma filosofia. Uma história futurista válida. Por isso, me emociona.

    ;-)

    Amei o post, parabéns!

    www.maisversatil.net

    ResponderExcluir
  5. Uau!
    Essa serie foi um chute na minha cara!
    Foi um dos livros produzidos na atualidade que triturou meu psicológico.
    Acredito que uma grande parte dos jovem, que são quem estão consumindo esse novo e amplo mercado dos livros, é um publico que só engole livros e livros selecionados.
    Não me levem a mau eu também estou nesse grupo. Analise, qual foi o sucesso depois de Crepúsculo? House of Night? Sussurros? The Vampire Diaries? Qualquer coisa sobrenatural? O que estouro de livros neo-romanticos ( nem sei se o termo existe) sobrenaturais!! O livros, por mais que discretamente, sempre foram um mercado levemente lucrativo, e hoje mais do que nunca. Eles colocam na banca o que vai sair. Vampiros faz sucesso? Lance todos as series de vampiros que aparecerem!! Por isso acho muito legal a iniciativa do Charlie's Booklist, porque são livros fodas, que foram esquecidos..
    Voltando ao ponto. Jogos Vorazes pegou um publico que nunca esteve preparado para sua narrativa, e isso o que mas me fascinou. Como você disse, o livro é sobre Katniss, naquele mundo e não aquele mundo com Katniss. É interessante a forma como Collins constrói Panem e deixa o resto as nossas mãos, pode ser dificil a principio, mas não precisamos de muitas respostas sobre Panem, porque nos já vivemos em um. E Collins deixa isso a nosso encargo, e é genial.
    Eu sempre falo. Katniss, é burra, ignorantes, não tem ambição, não é uma heroina, foquemos nisso ela não é uma Heroína, que é justa, e que a paz mundial. E ela só tem esse sucesso todo, porque ela é um 'bicho do mato' ela é inteligente o suficiente para ficar de boca fechada que é o grande feito dela enquanto os outros construiam a sua imagem. Uau! Esse texto ficou maior do que eu previa, nem falei a metade do que penso. Essa é a minha experiência!
    Quase palavreando Edward Cullen: "Katniss pode ser um lago raso e sem sombras, mas a serie é o oposto, uma mar escuro, denso e cheio de sombras".

    ResponderExcluir
  6. Olá de novo! Queria elogiar seu texto, achei-o muito bom! Sobre tudo isso que você falou, sabe o que eu acho? Que nossa sociedade tem um esteriótipo muito grande e equivocado em relação ao lance do "herói". Com tantos "exemplos" por aqui, elas chegaram a conclusão de que herói é aquele ser "fodão", determinado e implacável, que mata tudo e sai por cima sempre. Engraçado por exemplo é que Alice da série Resident Evil siga esse padrão, ela não escapa das críticas que lhe são dirigidas. Mas afinal o herói não seria isso mesmo? Veja por exemplo os vingadores, super-humanos digamos assim, que vão lá salvam o dia e saem felizes e contentes. Na vida real NÃO é assim. As pessoas acham por exemplo que uma pessoa que vai para uma guerra, sobrevive e sai até com honrarias deve ser alguém feliz e contente? Claro que não, pelo menos não todo mundo. Guerra muda as pessoas, acaba com elas e é isso que vemos em relação a Katniss, que com apenas 17 anos se envolveu em algo muito maior que ela. Suzanne acerta em cheio em mostrar isso, deixando claro que não é esse "glamour", que matar pessoas não é uma dádiva ou um sinal que você é foda, afinal muitas vezes aquela pessoa que você matou também tinha uma família como você, que tinha sonhos como você, e que a sua semelhança ela pelo menos provavelmente, não queria estar ali mas foi forçado como você a tomar parte naquilo.

    PS: Desculpe o tamanho do comentário!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu acho que essa ideia do herói salvador fodão que faz grandes sacrifícios e sai de boa é reforçada porque condiz com a visão ~militar~ dos EUA. O Capitão América foi criado literalmente como propaganda de guerra. É uma forma de atrair os jovens e naturalizar essas coisas. Quem ia querer ir pra guerra se as consequências fossem mostradas?

      Eu gostei muito do seu comentário e, por favor, não peça desculpa. Aqui é o lugar de falar <3

      Excluir

Posts Populares