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Como fanfics quebram o mito do Minha História Não é Muito Original

4.2.16Dana Martins


O texto que eu quero escrever há muito tempo sobre a ideia de "plágio". 

Uma das coisas que eu escuto volta e meia quando falam de histórias é o tal "eu sei que isso é clichê..." ou o "eu ia escrever, mas vi uma história que é igual a minha!" E é, você tem todo o direito de buscar uma história Original™ (boa sorte) e achar que um autor já realizou algo bem o bastante que você não tem nada a acrescentar. Ok, beleza. Mas a gente tem uma ideia de originalidade muito desvirtuada. 

Pra começo de conversa, existe uma briguinha muito desnecessária em cima de "plágio" e "esse é o original". Parece até que a gente tá num filme high school brigando por hierarquia adolescente. Mas eu acho que isso vem pelo fato de que quanto mais novo você é como leitor, mais o que você lê parece novo. Você nunca viu nada daquilo! Um autor já pode ter feito aquilo 300 anos atrás, mas a primeira vez que você encontra é naquele romance com todos os clichês do mundo - que pra você são apenas novas descobertas. E não tem nada de errado nisso. A não ser no fato de que, conforme você cresce como leitor, você começa a descobrir semelhanças entre as histórias e corre o risco de achar que tudo é um "plágio" do outro.

A literatura (e arte no geral) é uma espécie de eterna criação da consciência humana passada de autor em autor. Um inspira o outro, que inspira o outro, que inspira o outro. Pensa até em movimentos artísticos, eles costumam ser uma espécie de reação ao movimento anterior, porque de certo modo todas as formas de arte conversam entre si e vão levando o assunto adiante. 

E falando em movimento artístico - é exatamente por isso que chamam de "movimento"! Não são pessoas escrevendo no vácuo. Muito menos é um grupo de pessoas que copiam umas as outras, é mais que quando uma ideia surge, ela surge em vários lugares. Procure sobre histórias, músicas e invenções aleatórias ao longo da História da Humanidade. Procure e você vai ver que mais de uma pessoa teve a mesma ideia. E essas são só as pessoas que foram em frente e realizaram!

Pensa em serviços de streaming tipo o Netflix, tem vários por aí, talvez um nem sabia do outro quando tiveram a mesma ideia. Eu fui pesquisar agora, e o conceito de streaming é tão antigo e já passou por tantas fases que Netflix em si nem tá na página principal do wikipédia sobre isso. Netflix é só uma ideia que surgiu a partir dessas outras ideias. 

Eu tenho uma certa briguinha com a ideia de "plágio", porque é improdutivo pra arte e na maior parte do tempo é usada só em disputa de poder. No melhor estilo "o meu pau é maior que o seu". As pessoas não estão interessadas em discutir a história ou ver semelhanças ou até mesmo discutir a possibilidade de um roubo REAL de uma obra artística, elas só usam isso pra dizer "naah, o seu não é bom o bastante". 

Só que na hora de escrever a gente acaba trazendo isso pra escrita. Cada vez mais eu tenho a impressão de que escrever é resumido por aquele quadro "O Grito", porque é o momento que você abre a tampa das inseguranças e precisa lidar com mil demônios que você nem sabia que existia. 



Eu acho que o maior problema da escrita é a dúvida "Será que a minha história não é boa o bastante?" e aí entra desânimo e você desiste e adeus. É aqui que o lado nocivo da busca pela originalidade se aproveita. 

Eu vi Harry Potter, quem sou eu pra escrever uma história sobre mágicos?

Oh, e um futuro-casalzinho se esbarrando no corredor da escola e derrubando os livros é tão clichê!

Aí surgem as fanfics. Só o conceito de fanfic é algo maravilhoso. É uma obra de arte que normalmente copia outra obra de arte. Você nem discute plágio, porque a ideia é justamente usar a história de outra pessoa. E por que as pessoas costumam escrever? Porque tem diversas coisas que elas gostariam de ver na obra em questão, mas que não acontecem. Tipo ter uma personagem mulher relevante (aí nasce o termo Mary Sue...) ou querem que tal casal do mesmo gênero fique junto. Às vezes é só porque seria muito legal ver o que aconteceria se Harry Potter fosse um cowboy no faroeste. Ou porque imagina como seria se *inventa qualquer situação louca com os personagens* 

Então as fanfics de certo modo copiam (e melhoram) outra história. E nem "melhoram" porque elas não gostam da história em si, pelo contrário, é porque você ama tanto a história que precisa de mais e quer ver outros detalhes. Se você nunca participou de um fandom, e leu fanfics, e viu as pessoas fazerem headcanons (que é tipo, o que na própria cabeça elas acreditam que é a verdade sobre algo que não foi determinado na história original) (tipo, sei lá, que existem festas clandestinas em hogwarts). Se você nunca acompanhou isso, você não tem noção do quanto uma história pode ficar legal e ser expandida. É lindo. 

headcanon da Hermione negra que se espalhou pelo fandom e... wow, virou canon na peça


Enfim, tudo isso já é uma rodada de saia na cara da ideia de originalidade. Fanfic é o que você poderia descrever 100% como plágio, mas ninguém tá nem aí e é justamente poder expandir algo que já existe que torna legal.

Mas aí aconteceu algo que me deixou coçando a cabeça. (piolho!) (ok, ignorem isso) Desde março eu li muita fanfic, mas MUITA, num chute vou dizer que pelo menos 100 histórias diferentes. Todas elas fanfics da mesma série, The 100, protagonizada pelas mesmas personagens, Clarke e Lexa, todas elas são Modern AU, ou seja, pegam a história de The 100 e adaptam para uma história de hoje em dia. Existem variações: algumas são na escola, outras na faculdade, outras enquanto elas trabalham, outras em qualquer momento aleatório da vida. Mas as semelhanças são TANTAS que surgiu até um "canon" de fanfic.

(canon: a história original, o que é "verdadeiro", tipo o sobrenome da Clarke ser Griffin. e aí um canon de fanfic são coisas que várias fanfics tomam como se fosse verdade)



Eu encontrei esse post no tumblr e, por exemplo, a personagem Lexa não tem sobrenome na série, e basicamente 90% das fanfics usam "Woods" como sobrenome dela. (e sobre everyone hates Finn... bem, o surto que ele tem na série se transforma em Antigo Relacionamento Abusivo da Clarke num modern au, normalmente) 

Alguém usou, outra pessoa gostou, todo mundo viu que fazia sentido e ficou. As pessoas basicamente copiaram umas as outras escrevendo histórias que são cópias de uma principal. 

Aí agora reflita sobre ler 10 histórias que passam nos tempos de escolas protagonizadas pelas 2 mesmas personagens. E como essa porcaria sai em capítulos, você normalmente tá lendo essas 10 histórias ao mesmo tempo. 



A parte que me deixou coçando a cabeça é que ainda assim eu sei diferenciar uma da outra. Só teve uma ou 2 vezes que deu um pequeno mindfuck, mas sobrevivi. Eu não só consigo diferenciar uma da outra, como gostei de ler >todas< e se você aparecer aqui com um Modern AU bom que eu ainda não li, eu vou querer ler. 

Aí tem outro detalhe importante pra conversa sobre originalidade. A gente se preocupa tanto com isso, e no fim do dia buscamos histórias que são exatamente iguais umas as outras! Por que você acha que colocam nas capas "DO MESMO AUTOR DE [TAL HISTÓRIA]" ou "PARA QUEM GOSTA DE [TAL HISTÓRIA]"? Por que você acha que existem estilos de capas para "gêneros" específicos? Você olha e já sabe que é parecido com outras histórias que você leu, e vai atrás

Se você gosta de um tipo de história específico, e procura histórias desse estilo, é justamente você procurando mais do mesmo.



Não estou dizendo que a gente não goste de coisas novas. Mas a novidade não está no "tipo" de história em si, está no jeito que ela é contada, na perspectiva única que só aquele escritor tem, em como os elementos vão ser usados dessa vez. Nos personagens que vão nos acompanhar nessa história específica. 

E, tá, às vezes uma história específica enche o saco. Eu adoro Jogos Vorazes e já li outras distopias, e se alguém já vem com "adolescente perdido em um mundo ditador..." eu já fico cansada antes da frase terminar. Não, pera. Quer saber? Acho que nem isso. Eu não estou nem cansada desse tipo de história, eu estou cansada porque elas costumam ser contadas da mesma forma. Lembrei que ontem mesmo eu tava olhando uma capa que me deu um AI MEU DEUS QUERO LER e aí eu vi que era a garota branca que encontra o garoto branco e eles vivem a aventura de gente branca comum contra o governo ditador de gente branca. Nossa, eu fui ler a sinopse e não precisava disso no meu dia. 

Enfim, mas isso sou eu. E como eu disse, tem sempre gente pra quem isso é novo, gente que gosta, da mesma maneira que eu leio os 93289328 modern au parecidos.

Então a moral aqui é que não importa quão parecido seja, você ainda pode pegar a história e transformar em sua. Ainda tem gente que vai querer ler. Mais do que isso, vai querer ler PORQUE é parecido. A originalidade não deveria ser algo que te impede de escrever, ainda mais se você gosta da sua história. Não estou falando pra literalmente roubar a história dos outros, isso é OUTRO assunto. Mas o que eu sinto que nos atrapalha são aqueles casos mesmo, onde temos uma ideia, depois percebemos que pode ser algo meio batido ou descobrimos uma história que já abordou, e ficamos meio inseguros. 

Mande a insegurança ir se foder. 

Escreva só pra ver o que acontece.

Tem uma frase, não lembro de onde, acho que é da Twyla Tharp em "The Creative Habit", mas posso estar confundindo, o que importa é que é algo tipo "se você acha que algo é original, é só porque você não procurou bem o bastante de onde aquilo veio". 


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4 comentários

  1. Já me perguntaram por que eu não escrevo um livro e a primeira coisa que me vem a cabeça é MAS JÁ ESCREVERAM SOBRE TUDO.

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    1. por isso mesmo que essa não é uma razão pra gente não deixar de escrever :P

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  2. Muito legal esse post!!! É muito louco mesmo pensar que tudo já foi escrito, mas as pessoas continuam escrevendo, tipo, tem muito assunto pra rolar ainda.
    Aconteceu um fato comigo desse tipo. Costumo construir umas 5 histórias por dia na minha cabeça, que na maioria das vezes nem vão para o papel, mas enfim, são coisas que eu imagino sozinha, sem ajuda de ninguém. Um belo dia meu primo me mostrou o trailler de um filme e de repente "espera aí, eu já imaginei essa história inteira!!!". Foi muito louco pq tinham detalhes que eu tinha imaginado numa dessas minhas histórias anos antes, e já tinha livro e filme sobre isso. Foi mesmo frustante pq era uma história a menos pra mim, mesmo que eu nunca colocasse no papel.
    Se pararmos para comparar, vamos encontrar milhares de histórias muito parecidas umas com as outras. E não deveríamos deixar que isso nos impeça de escrever histórias incríveis.

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  3. Seu post está incrível, Dana! Exatamente o que eu sempre quis falar.

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