Caminhos da Floresta CCFilmes

Análises da Floresta: um aquecimento para a estréia de Into The Woods

26.1.15ConversaCult


Ainda esse mês teremos um lançamento por mim muito aguardado: Into The Woods, ou Caminhos da Floresta – também serve “aquele filme novo em que a Meryl Streep é uma bruxa”. Meses atrás, influenciado pela Ana, que estava muito entusiasmada com essa estréia, fui assistir o musical e acabei completamente apaixonado. Há tantas coisas absolutamente geniais nessa história que eu não sei nem por onde começar. E imaginar que ainda é uma obra relativamente desconhecida me deixou muito triste – o mundo merece Into The Woods, então Into The Woods eu vou dar ao mundo.


Embora esse texto seja baseado exclusivamente no musical, inevitavelmente ele carrega spoilers do filme. Você foi avisado.


O elenco original da Broadway <3
Primeiro, vamos entender o enredo geral: somos apresentados a uma série de personagens clássicos de contos de fada. Cinderella, que deseja ir ao baile do rei. João, que se vê obrigado a vender a vaca da família para ajudar sua mãe. Chapeuzinho vermelho, que vai visitar a avó doente. E dois personagens novos, o Padeiro e sua Esposa, que não conseguem conceber uma criança graças a maldição de uma Bruxa que mora ao lado – e que também raptou a irmã do Padeiro, uma menina chamada Rapunzel. Para quebrar a maldição, o casal deve encontrar uma vaca branca como leite, uma capa vermelha como sangue, uma sapatilha pura como ouro e cabelo amarelo como milho (e eu acho que você já deve imaginar onde eles vão conseguir encontrar tudo isso). A história é posta em movimento quando esses personagens se vêem todos forçados a entrar na floresta, cada um por seus motivos particulares.

Durante a primeira parte, os acompanhamos em busca de suas ambições. Cinderella vive incertezas em relação ao príncipe. O Padeiro e sua Esposa discutem se é certo mentir para conseguir os precisam. Chapeuzinho é engolida pelo lobo e descreve a experiência de forma que pode ser facilmente interpretada como uma experiência sexual. João escala o pé de feijão e rouba um ganso que bota ovos de ouro e uma arpa que toca sozinha. E no final todos conseguem o que querem. Cinderella se casa com o príncipe. O Padeiro e a Esposa conseguem quebrar a maldição – o que também torna a Bruxa jovem e bela. João mata o gigante que vem atrás dele derrubando o pé de feijão e compra sua vaca de volta. Chapeuzinho vermelho se torna forte, independente e aprende a escalpelar lobos.
Essa é uma das cenas mais legais com a Cinderella! Notem o piche na escadaria xD

É na segunda parte da obra que as coisas se tornam realmente interessantes, pois ela é centrada em apresentar as consequências das decisões dos personagens, coisa que até hoje história nenhuma se deu ao trabalho de fazer. E eu já aviso: é um banho de sangue.

Encontramos os personagens tempo depois fazendo desejos de novo. Cinderella quer dar um baile, João quer voltar a explorar a terra dos gigantes e o Padeiro e sua Esposa querem um novo quarto em sua casa. É, de certa forma, um choque ver esses personagens, que acompanhamos lutar por seus objetivos por todo o primeiro ato, usando a palavra “desejo” tão levianamente. Nos faz questionar a importância das coisas que desejamos, e se elas realmente representam a realidade mais profunda das coisas. Mas isso tudo é logo deixado de lado quando suas casas são completamente destruídas.

"Eu fui criado para ser encantador, e não honesto!"
Logo aprendemos que a esposa do gigante desceu dos céus buscando vingança pelo roubo de sua casa e a morte de seu marido. A mãe de João então o esconde e diz para a giganta que ela nunca vai encontra-lo. Assustado com a possibilidade de isso irritar a criatura, alguém dá um golpe mortal na cabeça da mulher. Outra parte interessante dessa cena é que, quando o narrador começa a descrever a responsabilidade dos personagens na situação, os mesmos se juntam para rapta-lo e o entregar à giganta como se fosse João –  mas ela percebe a diferença e o mata. A partir desse momento, não há mais narração na história. O gigante mata ainda outra pessoa aqui, mas eu falarei dela mais tarde.

Todos os personagens sofrem a consequência de seus atos. Chapeuzinho perde a mãe e a avó. A Bruxa descobre que ao quebrar a maldição, perdeu seus poderes. Cinderella percebe que seu príncipe tem sido infiel. Ele possui um desejo insaciável de resgatar donzelas e está agora fascinado com uma moça que dorme em um caixão de vidro em uma mina de anões. Ele inclusive se envolve com a Esposa do Padeiro em um momento – e ela morre literalmente logo em seguida, o que eu achei meio moralista da parte da peça.

é tradição que a última música se encerre com a Cinderella cantando "I Wish!"

Até coisas mais sutis, como a mudança de atitude de Chapeuzinho, tem suas consequências. Logo depois das mortes causadas pela giganta, a menina diz “Isso é horrível, acabamos de ver três pessoas morrem!”, ao que a Bruxa responde “Desde quando você se importa com a morte? Quantos lobos você já matou?”, “Mas um lobo não é a mesma coisa!”, “Diga isso para a mãe do lobo.”. Como não amar esse dialogo que expõe tão nitidamente como a gente desumaniza aquilo que é diferente.

Um dos momentos mais interessantes da peça é quando os personagens se juntam para tentar encontrar a culpa por todo o acontecido. Um vai jogando a responsabilidade para o outro até a Bruxa interromper com a incrível música “Last Midnight” em que basicamente ressalta a irrelevância de encontrar uma culpa quando pessoas estão morrendo, manda eles sacrificarem João para salvar todo o resto do reino e, quando eles se recusam a fazer isso, desiste daquela história e vai embora.

sei lá que produção é essa, mas a foto tá linda!
Depois dessa série de desgraças nos deparamos com os quatro sobreviventes: o Padeiro, Cinderella, Chapeuzinho vermelho e João, se empenhando em um plano para derrotar a giganta – coisa que eles fazem enquanto refletem a respeito de suas perdas na emocionante música “No one is alone”, que já começa a revelar os verdadeiros temas da história ao falar sobre como as pessoas não nos deixam quando morrer, vivendo dentro de nós através da influencia que tiveram em nossas vidas. Somos todos histórias no coração uns dos outros. Com muito custo, eles derrotam o gigante e decidem ir morar todos juntos e tentar se recuperar de todas essas tragédias.

Agora, antes de falar do número final, vou contar da terceira morte causada pela giganta. Ele mata Rapunzel. Sua história é tão interessante e envolvente que achei melhor trata-la em separado. Rapunzel foi presa pela Bruxa no alto de uma torre. De lá ela canta para a floresta toda ouvir, o que chama a atenção de um príncipe (o irmão do marido de Cinderella). A garota decide fugir da torre, mas é pega por sua mãe, que narra seu desejo de proteger a menina e seu sofrimento ao vê-la tentando fugir na maravilhosa canção “Stay With Me”. Apesar do arrependimento da menina, a Bruxa a exila para um deserto e fura os olhos de seu príncipe para que ele nunca mais possa vê-la. Apesar disso tudo, eles conseguem se reencontrar muito tempo depois e ficam juntos.


Encontramos Rapunzel histérica na segunda parte da peça. Ela grita e corre para todos os lados. Ao ser questionada por sua mãe, explica que por ter sido presa por catorze anos, ter seus cabelos cortados, ter sido exilada em um deserto sem comida ou companhia, enfim, pela forma com que foi tratada pela Bruxa, ela nunca será capaz de ser feliz. É uma cena muito intensa e cheia de verdades. A mulher responde que estava só tentando ser uma boa mãe, mas a verdade é uma só: as atitudes da Bruxa destruíram a sanidade da moça, e com ela, toda a chance de felicidade para ela. Quando Rapunzel vê a giganta, ela corre histericamente e acaba sendo pisada pela criatura. Aqui temos o grande tema da peça ser trabalhado novamente: somos todos histórias, e somos responsáveis pelo que deixamos uns para os outros nessa vida, querendo ou não.

Rapunzel e a Bruxa
A história termina de forma icônica. O fantasma da Esposa conversa com o Padeiro a respeito de como ele terá de ser mãe e pai ao mesmo tempo. Ela o manda contar tudo o que aconteceu para o bebê, o que o homem faz prontamente. E enquanto vemos ele reiniciar a história que abre a peça, todo o elenco se reuni para cantar “Children Will Listen”, uma música sobre a importância das histórias que nos contam e que nós contamos para os outros, especialmente as crianças. Sobre como essas histórias influenciam os outros, as vezes de forma como não percebemos ou não esperamos - mas que não nos eximam de responsabilidade. Uma música sobre como o exemplo que damos no mundo é o único e verdadeiro poder mágico que temos aqui. É uma conclusão linda, resignifica todo o caos da peça e dá um sentido absolutamente genial para a história. Se alguém me perguntar hoje por que eu escrevo, eu simplesmente vou mostrar a letra dessa música para responder. Eu genuinamente acredito que todo contador de história deva ouvir essa música, e como sei que tem vários lendo o ConversaCult, vou deixar aqui no final a tradução. A letra fala por si:


Cuidado com o que você diz, crianças vão ouvir.
Cuidado com o que você faz, crianças vão ver, e aprender.
Crianças talvez não obedeçam, mas elas escutam.
Crianças buscarão você para saber que lado ir, para aprender quem ser.
Cuidado ao dizer “me escute”, crianças vão ouvir.
Cuidado com o que deseja, desejos são crianças.
Cuidado com os caminhos que toma, desejos se realizam, mas não de graça.
Cuidado ao lançar seu feitiço, não só em crianças.
O feitiço pode durar mais do que você espera e se virar contra você
Cuidado com a história que você conta, esse é o seu feitiço.

É isso, minha gente. É por isso que eu estou apaixonado por esse musical e tão entusiasmado com o filme. Agora é torcer para a Disney não estragar tudo tentando aliviar o lado sombrio da peça. Mas convenhamos, só pela premissa já é uma história que merece ser ouvida.

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2 comentários

  1. Infelizmente, sua previsão deu errado, e Disney fez a história parecer mais um conto de fadas

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  2. Infelizmente, sua previsão deu errado, e Disney fez a história parecer mais um conto de fadas

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