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Setevidas faixa a faixa: a Pitty sobreviveu para nos contar umas histórias.

4.7.14Anônimo


Hoje é sexta, meu povo!

Pelo título do texto, vocês conseguem imaginar qual o tema do CCSexta deste mês? Música brasileira? Análise profunda de álbuns? Pitty? Nada disso, caro leitor. O tema deste mês é secreto.

"como assim secreto, que mundo é esse?!"


Pois é. Secreto. Como em “amigo secreto” (eu sou de São Paulo, então não venham me dizer que é “amigo oculto” ú.u). Todos os membros do ConversaCult deram um tema, e estes então foram sorteados entre a equipe. A cada sexta (e em alguns outros dias, já que somos doze e só tem quatro sextas no mês) você verá um de nós executar a ideia de outro autor! Será que você consegue imaginar quem pediu uma análise do CD novo da Pitty? Eu realmente não sei e só no final é que nós vamos revelar quem pediu o que lá no facebook do ConversaCult.

Mas agora vamos à análise!

Clique e venha ver o que eu achei de SETEVIDAS.

Antes de começarmos, uma palavrinha sobre a arte: sou da opinião de que o sentido da obra deixa de ser autoridade do autor quando ela é entregue ao mundo. Pitty pode ter idealizado o que quiser com suas músicas, mas estou aqui para falar do que eu vejo nelas, o que é igualmente válido, mas não uma interpretação exclusiva. Quando descrevo a temática de cada faixa, estou falando do que eu vejo dentro delas e isso potencialmente fala muito mais sobre mim do que sobre a música, mas é a única forma que eu sei abordar o assunto. 

SETEVIDAS é um relato de sobrevivências – no plural, pois as tragédias nele relatadas são muitas. Depois de quatro anos de silêncio, Pitty chega com uma voz muito mais madura e inteligente. Sua natureza revolta ainda está em alguns refrões, mas significativamente menos carregada de raiva. Embora o ritmo das músicas nem sempre tenha sido um acerto fulminante aos meus ouvidos, as letras estão impecáveis como sempre. Eu adoro álbuns que contam história, e é o caso deste, que me reaproximou da obra da baiana. Mas vamos ver mais a fundo essa parada toda em cada música:

Pouco 
Não me apaixonei da primeira vez que ouvi, mas a música cresceu em mim com o tempo, até por seu tema. Ela parece falar sobre o desejo de se ter o controle da própria vida, mesmo quando isso é equiparável a nadar a esmo contra a maré. Pitty fala sobre persistir e almejar sempre mais enquanto também declara estar lutando para não ser completamente dissolvida pelas dores da realidade impassível. É uma música muito jovem, que me lembrou particularmente o período pós-ensino médio – e, portanto, coerente para abrir um CD sobre os muitos episódios de sobrevivência da vida. “Vivo tentando domar meu mundo / Nunca consigo saber / Sigo tentando sair do fundo / Nado, não quero morrer”. O ritmo é envolvente e a batida aumenta de intensidade gradualmente, amarrando uma grande finalização. 

Deixa Ela Entrar
Desde Equalize, Pitty não tem me convencido muito com suas músicas mais calmas e românticas. Essa não foi exceção. Ela simplesmente não prende minha atenção, apesar de ter um ritmo gostosinho. Achei o refrão particularmente fraco. A música retrata o pisar em ovos dos primeiros relacionamentos, cheio das ansiedades de querer entender como as coisas funcionam quando a dois. “E toda vez é a velha questão de nunca saber / O que se vai amar amanhã e mesmo assim escolher / Mas quer saber? / Eu já cansei de racionalizar / Eu sei, é um clichê que eu dissequei só pra vê-lo murchar”. A conclusão segue para o desencanar sobre o assunto. Deixar de criar expectativas e simplesmente viver a mercê do acaso esperando as coisas acontecerem naturalmente – tom que eu achei ótimo para uma música do gênero. 

Pequena Morte 
Achei essa música muito sensual, tanto na melodia quanto na letra. O ritmo lento e envolvente é divertido de ouvir, e a reviravolta para lá da metade garante que ela não fique monótona. Apesar disso, não chega a ser emocionante para mim.. É tudo bem amarrada, já que a faixa fala das transformações que o outro causa em nós. O fascínio do momento e o vazio que ele deixa depois, quando o relacionamento já não acontece mais. “Ainda outro dia eu tentei com alguém / E o que eu queria era colar em você”. A música realmente me fez refletir sobre como quando identificamos algo de nós no outrem que se perde, a sensação realmente de uma pequena morte. Mas uma vez que extrai essa reflexão, não me sinto motivado a retornar a ela.

Um Leão
Uma faixa divertida de ouvir, mas carente de profundidade. Achei a letra previsível, mas foi tão bem executada que nem me importo. É realmente muito legal de ouvir, ritmada e interessante do começo ao fim. Um Leão fala sobre flertar com o perigo e se arriscar dentro de um relacionamento, mesmo perante a possibilidade de se ferir no processo. “Eu quis, no alvo estou / Foi por um triz, só arranhou / Na mão do atirador / As facas que eu mesma concedi”. Acho que essa relação autodestrutiva com o amor é um tema muito interessante, e que tinha potencial para uma música mais profunda. Mas ok, essa é tão gostosa de ouvir que vou deixar passar.

Lado de Lá
A música mais emocionante do álbum, facilmente. Escrita para expressar os sentimentos da cantora a respeito do suicídio de um antigo colega de banda, Lado de Lá é trágica e crua. Conta sobre a angustia de conviver com esse tipo de partida incompreensível. Tendo eu conhecido várias pessoas que tentaram cometer suicídio e já tendo refletido muito sobre isso, me identifiquei. “E o silêncio, o imenso silêncio que atravessou / Domingo de sol / E eu chovi sem parar”. Ela conseguiu criar algo emocionante, mas que não se afoga em magoa e tristeza. A melodia combina tão bem com o tema, tendo um toque de melancolia e revolta ao mesmo tempo. Tudo nessa música é perfeito, exceto a inspiração.

Olho Calmo
Pior música do álbum, com toda a certeza. Lenta, monótona, carente de ritmo e fraca de letra. Odeio, absolutamente odeio quando ela canta desse jeito pausado, fazendo praticamente cada palavra virar uma estrofe. Não consigo emergir na música e sentir absolutamente nada, se não vontade de dar um tapa nas costas da cantora e berrar DESEMBUCHA, MULHER! Mas reconheço que isso é questão de gosto, pura e simplesmente. A música fala sobre a dosagem do ódio. Este é um sentimento para o qual é fácil se exceder, mas isso nem sempre é o mais benéfico para a situação. “E depois do rancor respirar / Vigiar ao redor e respirar / Aprender a usar o olho calmo”. Pitty fala sobre o poder do olhar para fazer as intenções serem notadas, e sua eficiência enquanto se espera a ocasião certa de se explodir.

Boca Aberta
Desde os áureos tempos de I Wanna Be, eu simplesmente amo as músicas de crítica social da Pitty. Boca Aberta é uma das minhas favoritas deste álbum. É sobre pessoas vazias que fazem de tudo apenas para expor aos outros, numa busca de afirmação de que o que fazem é certo. Sacrificam a própria vida atrás desses ideais supervalorizados e distorcidos que nos afastam da nossa própria identidade. “Eta, alma, buraco sem fundo / Que se vive tentando preencher / Com corpos, com copos, com credos / Amigos ternos, amores cegos”. É meio que um tapa na cara da geração facebook, basicamente. Tudo isso feito numa música agitada e envolvente com toda a vibe de rock que cai tão bem na voz da Pitty.

"OLHA O SOFRIMENTO NOS MEUS OLHOS! OLHA!"

A Massa
Outra crítica, bastante semelhante a anterior, pontua essa música. Achei a metáfora de se falar d’A Massa deste jeito absolutamente genial. “Que massa mais desnutrida / Carece de adubo ou fermento / Quem dera a massa fosse / Manjar do mais suculento”. Ela é deliciosa de ouvir, bem ritmada por uma guitarra e bateria constantes. Mas por algum motivo, eu não consigo manter o interesse por muito tempo. Acho que, apesar de inteligente, a letra se prendeu demais em uma única metáfora sobre a massificação das pessoas sem se aproveitar de outras formas do tema, e isso acabou prejudicando o resultado final. Confesso, eu volto a ela mesmo assim, só para sorrir abestalhado com a crítica política inteligentíssima que é feita.

Setevidas
E aqui já estamos na reta final. Essa todo mundo já deve conhecer, foi o primeiro single do album. “Só nos últimos cinco meses / Eu já morri umas quatro vezes / Ainda me restam três vidas / Pra gastar”. Posso estar errado, mas a letra de Setevidas parece tratar de alguns momentos pesados da vida da cantora, como o aborto espontâneo que ela teve. A posição desta música no álbum define tudo sobre ela. Logo antes do final, ela chega para nos convidar a olhar para trás e botar as coisas em perspectiva. Temos todo um álbum sobre quase mortes em vida e Setevidas nos lembra que nunca iremos parar de morrer, mas isso não importa, pois sempre nos reergueremos e enfrentaremos o que for. Absolutamente genial.


Serpente
Essa música é totalmente alien neste CD. Com um timbre feliz e assustadoramente otimista, coro cantando ao fundo e instrumentos mais leves, é um choque a princípio, depois de músicas tão sérias. Mas Serpente é exatamente isso, é o nascer do sol depois da noite de tempestade. Uma música otimista sobre fazer de todas as tragédias nova força e se transformar como uma cobra trocando de pele. “Pelo fogo, transmutação / Sem afago lapidando o aprendiz / O que sobra é cicatriz”. Importante salientar que ela não é sobre esquecer o passado e tentar mudar, mas sim abraçar tudo, inclusive o que te fez mal, e crescer com tudo isso. É um final absolutamente perfeito para o álbum, e está totalmente de parabéns.

E é isso, minha gente. Gostaram? Primeira vez que eu fiz esse tipo de postagem. Parte da graça da nossa brincadeira é justamente essa: nos levar a fazer coisas novas. Aguardem o próximo CCSecreto e em quanto isso me contem nos comentários se vocês gostam da Pitty e se gostaram do SETEVIDAS! 

Ah, sim, também adoraria ver chutes sobre quem me deu esse tema! Acho que foi a Elilyan, que adora falar de músicas e trilhas sonoras. Tem a cara dela sugerir uma coisa dessas!

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12 comentários

  1. Se eu emitisse alguma opinião sobre a Pitty, eu seria um poser total, porque só conheço "E não adianta nem me procurar em outros timbres, outros risos" cujo nome não sei ao certo e é bem capaz de eu ter errado a letra :P

    Mas adorei a ideia do CCSecreto. QUANDO SAI O PRÓXIMO?

    (Eu chutaria a Igra ou a Elilyan)

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  2. Gostei da publicação, apenas algumas observações:

    O termo "pequena morte" vem do francês "le petite mort" e significa "orgasmo". A música retrata uma mulher dona de sua própria sensualidade e sexualidade.

    Em "deixa ela entrar", a letra não é romântica, e sim retrata um conflito interno. Dois "eus" se degladiando: razão vs emoção, até a constatação de que não se pode racionalizar sempre e a entrega do "eu" ao acaso.

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    1. Unknown, obrigada por trazer novas perspectivas. <3

      Outra observação: “They belong to their readers now, which is a great thing–because the books are more powerful in the hands of my readers than they could ever be in my hands.”

      Ou seja, eu não acredito que a letra da música seja X ou Y, ela pode ser qualquer coisa que a pessoa quiser entender. E isso é incrível, não é? As diversas leituras que uma só coisa pode ter. E mais incrível ainda é quando a gente tem a chance de encontrar pessoas que podem nos mostrar outras perspectivas, como vocês fizeram aqui <3

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    2. Gostaria muito de saber o nome da pessoa que fez essas duas breves observações sobre as músicas "pequena morte" e "deixa ela entrar", pois gostaria de parabenizá-lo (a). As músicas de Pitty quase sempre trazem um significado mais profundo, com referências a outras culturas, literatura e até religiões, como no caso de "serpente". Esse disco mostra diversas mortes pelas quais passamos: as lutas interiores, o orgasmo, as lutas de classes sociais, a tentativa de se destacar que leva muitos à anulação das próprias referências. Muito inteligente. Apesar de não ter prendido a minha atenção na maioria das músicas, considero que vale a pena ouvir diversas vezes e prestar atenção à letras.

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  3. São letras inteligentes e profundas. Sugiro que vejam Pela Fresta, onde a banda conta e mostra tudo sobre o disco.

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  4. São letras inteligentes e profundas. Sugiro que vejam Pela Fresta, onde a banda conta e mostra tudo sobre o disco.

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  5. A pessoa vir me falar que olho calmo é a pior música do álbum, affz. Preciso é dar um tiro nela! Porra!!!

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    1. Rsss, adoOoro olho calmo, então, e depois do rancor, respirar!

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  6. Gostei de seu posicionamento, apesar de adorar olho calmo, mas cada um vê uma perspectiva na canção, como um colega acima falou. Letras super inteligente, algumas direcionadas para situações atuais. Enfim falar da Pitty é um tanto suspeito pois sempre curti o trabalho dela. Sempre com ótimas letras e melodias. Com certeza Boca aberta e A massa são foo... Mostram direitinho de uma forma muito zen a atual ligação com as redes sociais e política. Enfim, como diz lá atrás em 8 ou 80, rss...
    Vou acompanhar, pois gostei das críticas e como sempre poderei dar minha opinião. Esqueci de comentar, minhas preferidas, sete vidas (estou passando por uma situação que realmente apenas tendo sete vidas), Pequena morte que e Um leão. Beijos de luz!!

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  7. Sobre a música 'a massa', vejo que trata-se de massificação das pessoas. Percebi que a música engloba a teoria behaviorista, que trata de uma 'midia' que empurra seus ideais goela abaixo das pessoas(a massa), porém, ela mesma rebate essa ideia, mostrando que essas pessoas (massas) que antes eram modeladas pelos outros podem aprender a se modelagem à sua maneira, tornando-se indigestas para quem queria se beneficiar delas enquanto estavam 'inertes no pote'.

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