CCLivros Harry Potter

Harry Potter e a Criança Amaldiçoada é uma cilada, e eu caí sorrindo

26.9.16João Pedro Gomes



[Leves spoilers a seguir] Honestidade mesmo: Harry Potter and The Cursed Child, roteiro da peça que dá continuidade à saga favorita de 10 entre cada 10 leitores, não é tãaao bom assim. A trama segue uns rumos duvidosos, coisas absurdas que eu não sei aconteceriam se estivessem apenas nas mãos da J.K. Rowling (que, aparentemente, foi bem coadjuvante no processo todo de escrita). Em muitos momentos, realmente parece uma fanfic com roteiro mirabolante e elementos que parecem mais impressões de seu original do que qualquer outra coisa. E digo isso não como ofensa, já que seria totalmente aceitável numa história criada por um fã: só não soou tão natural pelo caráter ""oficial"" da peça. 

Mas é claro que eu amei o livro mesmo assim.

Amei porque minhas personagens estavam ali. Porque o amor já estava pronto, guardado numa caixinha, e tudo o que essa história fez foi tirar a tampa e deixar ele sair de novo.

Por isso, esse livro foi uma cilada.

Veja bem, eu não precisava de uma história que reutilizasse o amor que eu já tenho por Harry Potter. Eu não precisava reviver o torneio tribruxo, a invasão ao Ministério, nem ter uma nova profecia que decidiria o destino do mundo mágico (sem um décimo do impacto que a “original”: nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver). Não precisava de um novo vira-tempo ou de uma vilã tão incoerentemente associada ao Voldemort. Principalmente quando esses elementos nostálgicos não aparecem da forma mais sutil possível; quando são usados como pilares de sustentação, e não adornos da obra como um todo.

A Criança Amaldiçoada, como eu esperava desde o princípio, acerta no pontos em que tenta agregar naturalmente algo de novo ao cânone, sem forçar os limites do que já existe pra encaixar o que convém no momento. É o que acontece com a relação de Harry e o filho, Albus. É claro que este sofreria com a gigante expectativa do sobrenome Potter, e é claro que aquele teria dificuldades em lidar com - ou mesmo perceber - isso em meio à fama reminiscente e aos deveres da vida adulta como auror.

Ou Scorpius Malfoy, que sofre o mesmo, mas luta contra um fardo de negatividade em vez de expectativa, deixado pelo ex-comensal que é seu pai. Tudo com a personalidade mais cativante que eu li esse ano. 

É claro que o livro acerta na amizade entre os dois. Na amizade que, infelizmente e contra todos os indícios, cedeu à heteronormatividade do mundo e não foi algo mais. Mas foi bonita, sim, do jeito que aconteceu.

MAS É OTP, SIM

É claro que também acerta ao retratar a experiência de Albus, a mais óbvia “criança amaldiçoada” do título, e como a ida à Hogwarts não é aquela maravilha toda que seu pai fez parecer. Acerta até mesmo ao trazer “realidades paralelas” de uma forma, vá lá, consideravelmente inventiva e emocionante, que se beneficia do fato de trazer personagens já conhecidos para criar algo novo. 

O problema aparece quando começam a confiar demais nessas coisas pra carregar a história e não olham pro que tão fazendo no contexto da série que tentam expandir. 

Por exemplo: por mais legal que viagem no tempo seja, fazer várias num curto espaço de tempo tira o peso, a responsabilidade e o perigo que a caracterizou quando usada pela primeira vez. Principalmente quando sua dimensão e consequências são ampliadas de forma tão descontrolada. Só não mais descontrolada que a ideia que tiveram para antagonista, que abraça clichês espalhafatosos e, mais uma vez, contradiz o estabelecido na série. Tudo construído na base de saídas fáceis de roteiro (“opa! olha aqui fulano trazendo do nada aquilo que precisávamos” ou “vamos ressuscitar esse problema de 20 anos atrás pra deixar os fãs empolgados e criar uma motivação atraente” e coisas assim) e diálogos várias vezes expositivos e improváveis.

Mas mesmo não sendo uma boa história de Harry Potter, A Criança Amaldiçoada foi uma história divertida. Embora não do jeito ideal, ela empolgou quando foi necessário, teve boas cenas de ação e drama, e o fator nostalgia, apesar de um pouco extrapolado, ajudou a deixar tudo com um gostinho agradável. Como naquele bolo de cenoura com chocolate demais na cobertura, são poucos os que reclamariam dos excessos. 

Acho que o mais importante é aceitar o que estava claro desde o princípio: essa história não é nosso Harry Potter tradicional. Autores diferentes, personagens diferentes, plataformas e gêneros diferentes… era de se esperar que o sentimento ao lê-la fosse diferente também. E apesar de só termos acesso a uma experiência incompleta, já que ver a peça em si deve ter sido infinitamente mais mágico (e menos ""defeituoso"") do que ler um simples roteiro, a leitura ainda vale a pena. Seja pra matar a saudade, pra revisitar o lar ou pra dar, mais uma vez, um adeus (não definitivo) a esse universo.

Agora já podem ir trabalhar no livro do Scorpius, tá? Então tá!

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1 comentários

  1. Super curtiria uma coisa a mais entre o Scorpius e o Albus, seria lindo!

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